Sexta-feira, 17 Maio

“Memória”s de Apichatpong Weerasethakul, onze anos depois da Palma de Ouro

Onipresente nas listas de expetativas para o cinema autoral em 2021 – e, sobretudo, para o possível cardápio de Cannes -, “Memória”, faz a diva do risco e das experiências Tilda Swinton mergulhar na floresta simbólica que viceja na obra do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, hoje com 50 anos. Ela interpreta uma escocesa que, em visita à Colômbia, começa a perceber estranhos sons rodeando os seus passos, procurando encontrar uma aparência para esses ruídos. É uma manifestação da sinestesia que o realizador de “Tropical Malady” (2004) usa para evocar e explorar a fantasia, numa mistura de cinema, artes visuais, misticismo e antropologia. Mistura essa que, onze anos atrás, deu a ele a Palma de Ouro – a única conquistada pela Tailândia – por “O Tio Boonmee Que Se Lembra Das Suas Vidas Anteriores” (“Loong Boonmee raleuk chat”, 2010).

A partir de um diálogo com a prosa espiritualista de Phra Sripariyattiweti, Apichatpong narra o ritual de desapego e despedida do mundo carnal empreendido pelo viúvo Boonmee (Thanapat Saisaymar), um doente terminal com uma doença nos rins que procura morrer em paz, na companhia dos seus familiares, até ser visitado pelo espírito da sua mulher e por entidades das matas encarnadas em criaturas de feições animais. Ali, o cineasta fazia uma reflexão sobre a dicotomia Natureza e Civilização, ao mesmo tempo em que discutia a conexão da sua nação com a ancestralidade e a violência que acossava os jovens . Havia ainda uma discussão sobre a finitude do próprio cinema, a partir do fim da película.

Numa pequena entrevista por e-mail ao C7nema, Apichatpong lembra como “Tio Boonmee” foi rodado e fala da longa-metragem inédita, despertando no público a perceção de que há política na fábula.  

De que forma o “Tio Boonmee” consolida e amplifica a sua perceção do que é uma fábula, do que é realismo e do que é narrativa experimental? Qual foi o grande legado desta mistura entre a fantasia e a realidade?

Quando fiz o filme não prestei muita atenção às formas dele como um todo, e, sim, idealizei, a sua estrutura por “capítulos”, segmentos. Na metade das filmagens, comecei a ter uma vaga ideia do que a narrativa precisava. Mas ao todo, não estava muito consciente da realidade, da fantasia. Era o que era.

A que tradição cinematográfica “Tio Boonmee” conecta-se e o que simboliza sobre a forma como os tailandeses produziram filmes no passado? O que o filme mudou na sua dinâmica de produção depois desse filme?

Eu baseei o filme em programas de televisão, histórias de fantasmas e BDs baratas, com as quais cresci. Tivemos muito tempo no set para refletir, para apreciar a dinâmica da equipa, embora, naquela época, precisasse filmar cada produção durante meio ano, se possível. Em comparação com o agora, que tudo é digital, os filmes atuais são filmados num mês ou menos. Sinto a falta do fluxo de trabalho do filme em celulóide: ali está o ofício, a elegância do processo.

Como o seu próximo filme, “MEMORIA”, relaciona-se, nas reflexões de tempo e espaço, com as suas longas.metragens anteriores, como “Tio Boonmee”? Como foi a sua experiência na América Latina? 

MEMORIA” compartilha muitas semelhanças com os meus outros filmes, na perceção do tempo e na utilização de recordações pessoais. Ainda é um filme pequeno, uma história simples, com sequências mais longas e menos close ups. Talvez reflita a minha relação com a Colômbia: adoro a sua paisagem aberta, as suas montanhas maciças, o seu céu aberto. Gosto muito em trabalhar lá porque encontro entre neles a melhor equipa e grandes apoiantes.

O que a fábula simboliza como um formato narrativo para os novos tempos e o que existe de política na representação do fantástico que faz?

É uma maneira de tentar preservar o ato de narrar e o sentimentos que as histórias geram. Acho que a dimensão do tempo é a beleza do cinema, comparares a experiência de um filme a uma pintura ou à literatura. O cinema é como um fantasma, não tem aspecto físico… mas tem a emoção e o temperamento. Portanto, é uma ferramenta política, um evento em si, para transmitir, instigar, inspirar, imprimir. Aho que todos os filmes, mesmo “Godzilla”, são políticos.

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