Sexta-feira, 17 Maio

Roberto Berliner, um bom cineasta é para o que nasce: filmar

À frente da TV Zero, uma das mais prolíficas e plurais produtoras do Rio de Janeiro, Roberto Berliner “botou na lata” (jargão cinéfilo brasileiro para “filmar e finalizar”) algumas das mais vividas expressões culturais da sua cidade (e do seu país), com destaque para a trajetória musical da banda Os Paralamas do Sucesso. O seu trabalho mais recente é um documentário sobre o grupo celebrizado por hits como “Entrei de gaiato no navio”. Mas há uma inquietação na carreira desse cineasta e produtor, nascido em 1957, que vai muito além do B-Rock. Na ficção, ele alcançou prestígio ao conquistar o Grande Prémio do Júri do Festival de Tóquio, em 2015, com “Nise: O Coração da Loucura”, laureado ainda com o troféu Redentor do júri popular da Première Brasil. Fez ainda a hilariante comédia Julio Sumiu, em 2014, com Lilia Cabral. Mas é no documentário que o sobrenome Berliner se tornou uma marca de potência(s) e excelência(s). E é sobre essa sua veia documental que ele vai falar esta noite no simpósio online Na Real_Virtual, tendo como motor de arranque da conversa a longa-metragem “A Pessoa É Para O Que Nasce”, de 2003.

Falando de três cegas, ele desenvolveu um interesse por personagens que lutam contra adversidades naturais, construindo uma jornada cinematográfica pautada pela inclusão. Esta jornada se renova com “Pindorama: A Verdadeira História dos Sete Anões” (2008), dirigido com Leo Crivelare e Lula Queiroga. Vencedor do Prémio do Público na 31ª Mostra de São Paulo, o filme fala de uma família com nanismo. Para saber como seguir o debate sobre esses temas nesta sexta – marcado para as 19h do Brasil/ 22h de Portugal – no URL da Imaginário Digital, produtora do evento. É o caminho para entender mais sobre o seminário organizado pelos curadores Bebeto Abrantes (realizador e roteirista de farta produção) e Carlos Alberto Mattos (um dos decanos da crítica cinematográfica nacional), com foco na pluralidade da nossa não ficção. A noite de Berliner promete doçura, uma das marcas pessoais do cineasta.

Com relevante histórico na publicidade, o seu cinema documental é dos mais plurais. Mas o que essa pluralidade carrega de político, de poético e de Brasil? Que Brasil está retratado na sua obra?

O meu cinema é carregado das coisas que trago da publicidade e dos videoclipes; assim como a minha publicidade e os meus clipes têm muito dos docs. “A pessoa é para o que nasce”, a minha primeira longa-metragem, surgiu quando filmava a primeira temporada do “Som da rua”, uma série sobre músicos desconhecidos, que levam a sua arte e civilidade para o espaço público, sendo em geral, muito maltratados pelo poder público. Foi assim que conheci as Ceguinhas de Campina Grande e fiquei encantado, assim como toda a equipa. Ainda na estrada, comecei a escrever o projeto do filme. Os meus filmes falam de gente, muitas vezes sobre pessoas com deficiências e busco entender como é sobreviver no caos da miséria. Os meus filmes também têm como tema o coletivo, ou seja, como essas pessoas se organizam para enfrentar essa vida tão difícil. Falo de um Brasil de gente pobre e criativa.

Você concorreu na última edição do festival É Tudo Verdade com “Os Quatro Paralamas”, codirigido com Paschoal Samora. É uma viagem no histórico da banda Os Paralamas do Sucesso. Como a sua relação com a música desenha os filmes de retrato que você fez?

Amo a música, especialmente, a percussão. O meu sonho de infância era ser baterista. A conexão mais estreita com a música começou no Circo Voador, onde costumava filmar tudo, inclusive os shows de rock. Foi lá que conheci os Paralamas e, a partir de 1986, comecei a fazer clipes e documentários musicais com eles. Com o tempo, fomos-nos tornando amigos e o retrato da banda ganhou contornos pessoais. É que eu gosto muito de filmar cenas comuns do dia a dia. Qualquer coisa é um pretexto para filmar, especialmente as cenas sem importância, e essas cenas estão presentes nesses documentários que faço sobre a banda. Fiz um em 1987; outro, em 1995; o terceiro, em 2005; o “Herbert de Perto”, em 2011. Só agora é que entendi que devo fazer mais um na década de 30.

Quais são os seus atuais projetos e o que consta de ficção nele?

Tenho vontade de fazer uma série sobre a Nise da Silveira (psiquiatra responsável por uma renovação humanista no tratamento manicomial no Brasil), porque o filme que fiz sobre ela ficou curto para falar de tudo que a doutora fez. Estou a trabalhar numa série de ficção sobre o Circo Voador e a Fundição Progresso (espaços culturais voltados para shows, no Rio de Janeiro); um filme experimental baseado em “Macunaíma”, que devo codirigir com a Bia Lessa; e “Buzum”, uma série de curtas, baseada em histórias reais dentro de ónibus [autocarro] no Rio. Também estou a produzir um documentário sobre o (escritor, cantor e compositor) Fausto Fawcett, que vai ser dirigido pelo Victor Lopes e tenho mais uma penca de projetos da TvZero que estão andando mais lentamente ou que estão parados, à espera da volta da Ancine. Na verdade, a TvZero é o meu grande projeto.

Como a sua ficção recebe a sua herança documental?

O “Nise” foi todo filmado como um documentário. Ensaiamos os atores durante muito tempo e a câmara entrava sempre de forma errática, em função do que os personagens faziam. As marcações de câmara tinham que ser erradas, fora do tempo, para dar a sensação de que a ação de que a câmara foi surpreendida também. As improvisações que foram feitas ao longo da preparação e o favto de estar filmando no mesmo hospital onde a Nise desenvolveu seu trabalho, ajudaram muito.

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