Quinta-feira, 28 Março

Família e ressentimentos: à conversa com Hirokazu Kore-eda

“La Verité” (A Verdade) de Hirokazu Kore-eda chega aos cinemas nacionais dia 2 de junho

Quando trabalhas com grandes atores não faz diferença dirigir japoneses ou internacionais. Ensaio com eles, faço uma audição e quando não gosto digo para fazerem mais suavemente ou  intensamente, dependendo do tom que pretendo. Eles percebem o que lhes digo e quando tens bons atores, independentemente de onde vêm, eles sabem o que quero.”

Estas palavras de Hirokazu Kore-eda, ao C7nema em San Sebastián, resumem o espírito de aventura e confiança com que o cineasta japonês, premiado em Cannes 2018 por “Shoplifters”, embarcou na sua primeira produção internacional: “La Verité” (A Verdade), cuja estreia nacional ocorre a 2 de julho.

Dirigindo nomes consagrados como Catherine Deneuve, Juliette Binoche e Ethan Hawke, o japonês sabia desde o primeiro instante que neste trabalho, que categoriza da mais ligeiro, o humor iria ganhar maior preponderância: “Decidi que desta vez iria introduzir algum humor, ter uma abordagem mais leve, descontraída que os meus filmes anteriores. Era muito importante conseguir isso, captar a personalidade da Catherine Deneuve.”

Kore-eda em San Sebastián

Catherine Deneuve, aliás, é alguém que durante a escrita do guião esteve sempre na mente de Kore-eda, em especial a atriz que ele viu em obras como “A Princesa com Pele de Burro” (1970) de Jacques Demy, e “O Último Metro” (1980) de  François Truffaut. 

Aqui assume o papel de Fabienne Dangeville, uma atriz que sempre se habituou a estar num pedestal e a ter o mundo aos seus pés. Agora, prestes a encerrar a sua carreira, decide registar a sua vida num livro de memórias, que vai trazer velhos ressentimentos e mágoas entre ela e a filha (Juliette Binoche).

Mas se o trabalhar com o elenco não se revelou um desafio assim tão grande para o nipónico, a forma como a produção decorreu deixou-o um pouco desorientado ao início. Na verdade, na promoção ao seu filme a vários meios internacionais, Kore-eda salientou aquela que era a maior diferença entre trabalhar no Japão e na França, admitindo que no seu país de origem tudo é muito mais intenso, e que em terras gaulesas “trabalhavam apenas 8 horas por dia”. 

Quanto à questão da língua, Kore-eda explica que foi sempre acompanhado por uma intérprete que traduzia simultaneamente o que ele dizia no set de filmagens. Quanto ao guião, que também foi traduzido do japonês para francês, ele revelou algumas dificuldades na transposição: “às vezes era complicado, porque na língua japonesa algumas expressões são ambíguas. Tive de ser muito claro e preciso porque era complicado traduzir algumas coisas”.

Influências

Para mim, Kore-eda é como Anton Chekhov nos dias de hoje e ele tem essa qualidade de ser subtil, de entrar em temas reais em famílias que ferem muito“, disse Juliette Binoche sobre a colaboração e forma como abordou o guião de “A Verdade”.

Em sentido inverso, e quando questionado em San Sebastián por um jornalista sobre uma eventual influência de Bergman – e do seu “Sonata de Outono” – neste filme, Kore-eda afasta esse cenário: “revi o filme antes de filmar o meu, mas creio não haver semelhanças. Não o usei como referência.

Depois de “Shoplifters

Nome já confirmado do cinema mundial, ainda antes da distinção em Cannes, o nipónico – que numa das suas saídas e passeios pela cidade do País Basco se cruzou e tirou fotos com outra vedeta nipónica, Takashi Miike, mostrou-se sempre calmo durante a sua conversa com os jornalistas, bebendo pacatamente um chá que o acompanhava, com os jornalistas a posicionarem-se em seu redor, algo que sentimos como reconfortante, pois naquele instante este momento representava totalmente o contrário do que é a azáfama e correria habitual da cobertura de um festival de cinema internacional.

Foi aí também que nos explicou que começou a trabalhar neste “La Verité” ainda antes de conquistar o cobiçado prémio em Cannes, e que por isso, a influência dessa distinção na sua eventual carreira futura internacional ainda está para se saber: “Este projeto começou antes de eu receber o prémio em Cannes, por isso não houve qualquer influência no filme derivada da distinção no festival.”

Quanto ao futuro, diz que vai descansar um pouco, recordando que nos últimos anos trabalhou ininterruptamente. Ainda assim, e ao jornal do Festival de San Sebastián, disse que gostaria de no futuro voltar a trabalhar com Ethan Hawke, e adiciona dois nomes do panorama internacional com quem gostaria de colaborar no seu cinema: Javier Bardem e Willem Dafoe.

“Talvez de agora em diante [depois de vencer Cannes com “Shoplifters“] seja mais fácil para mim fazer os projetos, ter o financiamento para os filmes”, concluiu ele ao c7nema.

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