Segunda-feira, 20 Maio

Vier Nev: “Todas as manhãs encontro obras de arte que me movem de alguma forma”

Já no currículo com distinções no Cinanima (Prémio Jovem Cineasta Português) e na Monstra (Menção Honrosa na competição ao Prémio Vasco Granja/SPA), Vier Nev partiu à conquista do reconhecimento internacional no prestigiado Festival Internacional de Cinema de Animação de Annecy, em França, um dos mais importantes a nível mundial.

Na sua curta, “A Mãe de Sangue”, o artista conta a história de uma mãe que nos últimos instantes antes do parto vê como alguns momentos da sua vida e do seu filho são semelhantes. Um trabalho onde “perceção, renascimento e transformação” são conceitos chave e onde mãe e filho se confundem e misturam entre traços que se completam, renovam e regeneram a cada instante.

Já distinguido com o prémio especial Vimeo Staff Pick, que lhe dará uma exposição alargada na famosa plataforma de partilha de vídeos, Vier Nev falou ao C7nema sobre a sua curta, as ideias que o movem na arte e o levaram a construir este trabalho. Falamos ainda da importância de Annecy para a exibição do seu projeto e abordámos as suas ideias para o futuro.

Vier Nev

Estive a consultar a tua página e fascinou-me o cariz multidisciplinar dos teus trabalhos, que vão desde estas animações 2D, 3D, a Realidade Virtual e Realidade Aumentada. O que te move no mundo da arte?

Penso que toda a gente cria todos os dias, e dessa forma o mundo da arte é simplesmente o mundo. Todas as manhãs encontro obras de arte que me movem de alguma forma; sejam elas um “post” de uma página de ilustração, uma canção que alguém canta no metro ou um jogo de realidade virtual.

Pessoalmente, as obras artísticas que acabo por valorizar mais são aquelas que me fizeram descobrir coisas novas sobre o mundo ou sobre mim mesmo. No meu trabalho, acabo por tentar criar as experiências que gostaria que já existissem, mas que ninguém ainda quis criar.

Como nasceu a ideia para este “A Mãe de Sangue”, que técnicas da animação usaste e porque optaste por essas técnicas e não outras?

O conceito vago de “um filme em que cada plano conta duas histórias ao mesmo tempo” já está na minha cabeça há alguns anos, tendo em conta que no meu trabalho visual tenho desenvolvido imagens com várias interpretações. As temáticas e personagens exploradas surgiram de um conjunto de ilustrações sobre nascimento e mudança.

Utilizei animação 2D digital em combinação com referências 3D animadas, incluindo algumas que já tinha desenvolvido para o meu primeiro projeto de realidade virtual “Dar Cria”.

A animação 2D permite-me um controlo total sobre as formas que compõem o plano, o que é vital para um filme onde pretendia que todos os espaços negativos e sombras fossem desenhados de acordo com as duas ou mais realidades que queria comunicar.

Percepção, renascimento e transformação” são elementos chave do teu trabalho e a transição de uma imagem para outra completamente diferente na forma cria uma ilusão e continuidade fantástica no espectador. Uma espécie de legado, neste caso de mãe para filho. Como funciona em termos criativos essa passagem de uma imagem para outra. De uma figura transformar-se em duas e vice-versa?

Para criar a transição subtil, tenho primeiro de criar uma imagem estática que reflicta ambas as interpretações. Não há grande segredo no processo para além de desenhar muito, estar atentos às formas que compõem as imagens do mundo e identificar padrões, repetições de formas ou encaixes peculiaridades entre a forma de um modelo e o espaço negativo de outro.  

Os tons azulados sobre o branco apoderam-se nesta curta. Porquê essa opção?

Inicialmente, a curta seria toda a preto e branco com ocasionais apontamentos de cor. No entanto, depois de testar várias paletas cromáticas, optei pelos azulados que contrastam com o vermelho dos momentos climáticos. Em retrospetiva, é possível que definam melhor o contraste entre a água e o fogo; entre o sangue do nascimento e o da morte.

“A Mãe de Sangue” de Vier Nev

A escolha de uma personagem (cientista) foi algo consciente para acentuar o ritual de passagem, legado – genético, talvez – de uma mãe para um filho, até ao momento em que se confundem e até completam?

Sim. Penso que o paralelo das vidas de mães e filhos são temas que possam surgir do filme. Até que ponto espelhamos a imagem que temos daqueles que nos criaram? Como o crescimento nos muda e altera a forma como vemos o mundo?

Qual a importância para ti de estar em competição num festival como o de Annecy?

A seleção em Annecy deixou-me muito feliz e surpreendeu-me imenso – principalmente por “ A Mãe de Sangue” ser o primeiro filme que decidi distribuir e enviar para festivais. Nunca tive a oportunidade de visitar o festival mas reconheço que seja um dos festivais mais importantes de animação do mundo.

Li na tua página que estás a tirar o Mestrado em Realidade Virtual na London College of Communication. A realidade virtual é o teu destino final, ou pretendes continuar a expandir em diversas formas a tua arte?

Eu não sei se terei um destino final – sempre fui pessoa de fazer parte de vários projetos diferentes simultaneamente. Tenho um fascínio pelo potencial da Realidade Virtual mas reconheço que todos os modelos de expressão artística têm as suas vantagens. Gostaria de manter esta vontade de reinvenção constante. Pretendo continuar a utilizar as tecnologias emergentes – sejam elas novas técnicas de animação, realidade virtual, BCI’s, inteligência artificial ou o que ainda estará para ser inventado.

A curto-prazo, tens algum outro projeto em desenvolvimento?

Estou atualmente a desenvolver uma experiência de Realidade Virtual que, se tudo correr bem, estreará no próximo ano. 

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