Domingo, 5 Maio

Paxton Winters e o seu Pacificado: “Era importante fugir dos estereótipos e tentar construir personagens reais”

Vencedor de três prémios no Festival de San Sebastián, Pacificado marca o retorno de Paxton Winters ao cinema vários anos depois do seu último projeto cinematográfico

Nascido no Texas, Paxton Winters executou o seu primeiro documentário, Silk Road ala Turka, enquanto traçava a Rota da Seda numa caravana de camelos durante 18 meses. Na ficção, a sua estreia foi Crude (2003), premiado em Seattle e Los Angeles.

Seguiu-se – enquanto vivia na Turquia – a direcção da série local Alacakaranlik (Twilight). Foi então que conheceu uma brasileira em Nova-Iorque e decidiu mudar-se para o Brasil, trabalhando a maioria das vezes na construção de peças jornalísticas antes do Campeonato do Mundo de Futebol. Foi aí que a sua vida se cruzou com a favela do Morro dos Prazeres, local por quem se enamorou e decidiu ser o centro do seu Pacificado.

O c7nema teve a oportunidade de falar com Paxton Winters em San Sebastián, o qual nos explicou a génese do projeto e falou da sua carreira: do passado, do presente e do futuro, que envolve um filme no Iraque. E se o virem nos próximos dias por Lisboa, é normal. Ele mesmo disse-nos que logo após San Sebastián vem para a capital portuguesa para, conjuntamente com o montador do filme, preparar o teaser da obra.


Como se envolveu neste projeto no Brasil?

Antes de seguir para o Brasil, vivi na Turquia, em Istambul, durante 18 anos. Fiz um filme lá e uma série de TV. Conheci e apaixonei-me por uma brasileira em Nova Iorque e vivemos uns tempos lá. Eventualmente,  tentei que ela fosse comigo para a Turquia, mas ela foi mais forte que eu e convenceu-me a mudar-me para o Brasil. Fui para lá e a pessoa com quem colaborava na Turquia conseguiu-me um trabalho como cameraman, a produzir peças jornalísticas. Isto foi antes do campeonato do mundo e eu filmava muito nas favelas, para além de outros locais sobre a chamada “Pacificação”.

Nós tínhamos um contacto na favela, o Maga, que nos permitia lá filmar. Na altura, eu não falava bem português, mas aquele espaço fascinava-me. Ele começou a convidar-me para churrascos e tornamo-nos amigos. Conheci a mulher, os filhos, os seus amigos, os amigos dos amigos e por aí fora. Entretanto, a minha relação amorosa fracassou e pensei em voltar para a Turquia, até porque o arrendamento na cidade era muito caro antes do campeonato do mundo.

Porém, eles ofereceram-me um lugar ali para viver. Primeiro recusei, pois não queria ser um daqueles “gringos” que se mudam para ali, mas depois comecei a pensar na razão porque não me queria mudar. Não queria porque tinha medo. Mas lá acabei por alugar a casa durante cinco meses, pensando: “vai ser só até ao campeonato do mundo, depois encontro um apartamento“.

Depois desses seis meses, já adorava a comunidade. Era uma relação muito próxima, as pessoas perguntavam sempre se eu precisava de alguma coisa e até podia deixar a porta e as janelas abertas sem medo. Acabei por ficar a viver lá três anos e depois desse tempo, como já tinha dado formação a jovens para filmarem as suas próprias histórias, eu e o Maga decidimos fazer o mesmo lá. Fazer umas curtas, mas nem tínhamos o objetivo de as mostrar a alguém.

Foi aí que alguns produtores, como a Lisa Muskat em Nova Iorque e o Darren Aronofsky, ouviram falar dessas curtas e disseram para lhes mandar um guião. Aí começou a nascer o projeto e depois o Marcos Tellechea e Paula Linhares chegaram como produtores e transformaram o projeto numa realidade.

E o Darren ajudou-o em todo o processo?

Sim. Ele ouviu falar no projeto e mandei-lhe o guião. Reencaminhou-o pelos seus contactos e como gostaram do que leram pediram para eu filmar algumas coisas. Filmei umas cenas em modo teste com os jovens atores, mandei-lhe e passados uns minutos ele disse estar interessado e perguntou como podia ajudar.

Depois do Cidade de Deus vieram outras obras que definiram um subgénero, o chamado filme favela. Qual é a diferença entre o seu filme e os inseridos neste subgénero?

É engraçado, mas esse subgénero jogou contra nós no desenvolvimento do Pacificado. Nós escrevemos o guião e procuramos produzi-lo nos EUA, mas disseram-nos que não era possível. Um filme em português é algo que não queriam produzir.

Por isso, voltamo-nos para o Brasil, para São Paulo, e falamos com todas as produtoras locais. Uma delas disse mesmo: “‘oh, mais um filme-favela“. Por causa do Cidade de Deus e de todos os filmes que e seguiram, e que eram bastante violentos, capitalizando toda essa violência, as coisas tornaram-se mais complicadas.

A principal diferença entre esses filmes e o nosso é que no processo de construção da história eu mantive-me calado e procurei ouvir o que as pessoas me diziam. Muitos disseram-me que as suas histórias não eram bem representadas nesses filmes, por isso perguntei-lhes como as devia contar. Que histórias tinham eles para contar? E como as devemos contar?

No essencial, foi um processo de construção do guião muito colaborativo, muito orgânico. Ouvia as pessoas, fazia muitas perguntas e escrevia. Contratámos gente da comunidade para trabalhar connosco em todos os departamentos da produção do filme, desde as câmaras à direção artística.

E os atores?

Também. Todos os figurantes são da comunidade, a minha protagonista também. Claro, também temos atores conhecidos, como bem sabes.

Acho que um dos principais objetivos na produção era não glorificar a violência, o objetivo era definir como mostrar a violência de forma a que as pessoas que vivem lá se identificassem com essas experiências – que são dramáticas e traumáticas, mas também mundanas e constantes.

E essas pessoas já viram o filme? Que acharam elas dele?

Adoraram e isso para mim era o mais importante. As primeiras pessoas a que mostrei foram as da comunidade, as que estiveram ligadas à produção. Era importante fugir dos estereótipos e tentar construir personagens reais. Ajudou muito eu ter vivido lá aqueles anos todos e conhecer a complexidade das personagens. Eram pessoas com os mesmos problemas que muitos outros. Era gente real.

Pacificado um filme muito honesto. Estou muito contente com o que a minha equipa alcançou, dadas as dificuldades óbvias das filmagens e como as executamos (…) Estou muito feliz com toda a minha equipa.

Também trabalha em fotografia, certo?

Sim, mas sou mais um documentarista. É certo que trabalhei em fotografia, mas não me considero um fotógrafo…

Mas essa experiência na fotografia e no documentário ajudaram-no como realizador de obras de ficção?

Penso que sim, pela forma como olho para as coisas.

E tenciona continuar a fazer cinema depois deste filme, visto que tem apenas algumas obras em duas décadas?

Sim, quero. Trabalhei anos a produzir peças jornalísticas. É um ótimo trabalho, pois basicamente recebes uma chamada e vais para um sítio onde a notícia acontece. E vais e falas com as pessoas que estão a fazer a notícia. Há algo muito intenso nesses trabalhos, apesar de terem vulnerabilidades, pois nunca sabes quando vais ou voltas.

Sempre quis fazer filmes de ficção, mas nunca consegui focar-me nisso, por causa desta ou daquela peça jornalística. Um dia, eventualmente, vendi a minha câmara. Pensei que se realmente queria fazer filmes de ficção tinha de queimar essa “ponte”. Vendi as minhas câmaras e foquei-me nisto.

Agora, uma curiosidade com os agradecimentos da IMDB. Teve um pequeno papel no filme do Jackie Chan chamado Espião Acidental?

(risos) Sim, acho que ainda era estudante. Foi um trabalho de uma hora como figurante e acho que era um cientista morto com a cara colada ao chão (risos). Na verdade não me consegues ver, mas eu estava lá. Era um tipo morto (risos)…e acho que a minha performance foi bastante boa (risos)

E já que teve esse papel, porque não surgiu neste Pacificado também?

Participei sim, mas cortei a cena. (risos). Não funcionava bem, era o papel de um turista num baile de funk. O montador decidiu cortá-la e eu disse que sim.

Acha que estas novas plataformas (Netflix, Amazon) estão aqui para ajudar os cineastas ou teme que elas possam ferir o Cinema?

Acho que estas novas plataformas são especialmente interessantes pelos conteúdos episódicos. Adoro como consegues ver uma personagem a ser desenvolvida em 12 episódios. Existe uma grande liberdade nisso. Quando tens apenas uma hora e meia é difícil ser original. Difícil fazer algo diferente e que se sinta como “ar fresco”. Acho que estas séries de 10, 12 episódios são ótimas para desenvolver corretamente essas personagens.

E também já trabalhou na TV, considera voltar?

Sim, eventualmente sim. Há ainda alguns filmes que quero fazer entretanto.

Tem novos projetos na agenda?

Sim, tenho. O próximo vai se passar e ser filmado no Iraque. É uma daquelas histórias de um soldado americano na guerra. Cinco mil americanos morreram na ocupação do Iraque, enquanto 700 mil a um milhão de iraquianos perderam a vida. E esses números, essa história, são algo que normalmente não vemos retratado no cinema.

É a história de um soldado americano que é raptado por uma família iraquiana, por um jovem. Grande parte da família não aprova o rapto e todos vão decidir o que fazer ao soldado. Vamos pelos olhos deste soldado o que foi a ocupação e a experiência de guerra no Iraque.

E em que estado está esse projeto?

O guião está fechado e os meus produtores estão a juntar o financiamento.

Tenciona filmar já no próximo ano?

Sim. “Insha’Allah” (Se deus/Alá quiser). Tenho também outro projeto que desejo fazer, mas é demasiado cedo para falar dele…

Notícias