Quinta-feira, 9 Maio

Phạm Ngọc Lân: “Estou a tentar mudar a imagem do Vietname na mente dos ocidentais”

Vencedor do prémio de Melhor Primeiro Filme, atribuído no Festival de Berlim pela Sociedade para a Gestão de Direitos Cinematográficos e Televisivos (GWFF), o vietnamita “Cu Li khong bao gio khoc” (Cu Li never cries) coloca o passado e o presente do país em confronto, identidade e luto, tudo a partir da história de  Lady M., uma mulher que, depois de recolher as cinzas do marido, há muito afastado na Alemanha, retorna ao Vietname. Com ela vai um lóris pigmeu, espécie de primata da floresta tropical vietnamita, que herdou do falecido. Mas a vinda da mulher e do animal vão desencadear uma série de choques com a jovem sobrinha da mulher, que mora com ela e prepara-se para um casamento apressado. Temendo que a gravidez da jovem e o casamento a levem a cometer os mesmos erros de vida que cometeu, Lady M. embarca numa jornada reconstituindo as suas memórias, evocando nisso o passado histórico do seu país.

Filmado em preto e branco por razões económicas, mas também criativas, “Cu Li never cries” foi um dos filmes mais cinemáticos apresentados na Berlinale, nomeadamente na secção Panorama. Falámos com o realizador Phạm Ngọc Lân, o qual nos deu mais alguns detalhes sobre a sua produção e como procura com ela, tal qual muitos outros cineastas da sua geração, mudar a imagem do Vietname que principalmente o cinema americano construiu na nossa mente.

A presença do pequeno animal que a mulher transporta durante todo o filme estabelece uma ligação entre o passado e o presente da história dela e do Vietname. Pode nos falar um pouco mais do que representa este animal no filme?

Este animal é herdado por uma mulher, que na realidade não o quer. Para mim, o animal representa algo que esta geração herdou do passado, algo que não desejam mas do qual não se podem livrar. Ao longo da história do Homem, este animal sempre foi visto como selvagem, não suscetível a ser domesticado. Porém, nos últimos anos, tem surgido uma tendência de o fazer, tornando-se muito difícil depois os largar novamente na natureza pois poderão não se adaptar e sobreviver. Quis  com ele introduzir também um certo humor negro. No filme partimos da cidade para a selva, no sentido contrário ao rio. Isso para mim representa o processo de devolver este animal à natureza e voltar ao passado. A própria barragem que vemos representa uma forma de redirecionar o rio e a viagem que esta mulher faz é também ao passado, passando pelo ponto das suas escolhas e lidando com as suas decisões.

Na construção ocidental, principalmente devido ao cinema americano e aos filmes de guerra, o Vietname aparece sempre com densas florestas e com cores vibrantes. No seu filme, optou pelo uso do preto e branco, contrariando totalmente a imagética construída na nossa mente em relação ao país. Havia essa itenção de reconstruir a imagem do país no ocidente?

Estou, efetivamente, a tentar mudar a imagem do Vietname na mente dos ocidentais. Mas não o faço apenas com a escolha da fotografia a preto e branco. Muitos cineastas e artistas visuais da geração anterior à minha tiveram poucas oportunidades de mudar a perspectiva ocidental sobre o meu país, solidificada pelos média e cinema norte-americanos. Por isso mesmo, os cineastas vietnamitas da minha geração têm um desejo interno de redefinir o imaginário global sobre o Vietname a partir da nossa perspectiva. Este processo é algo natural, ou seja, não tem objetivos concretos.

A escolha da música também reflete muito a viagem entre o passado e presente do Vietname, que tem Lady M. como figura central. Como se processou a escolha das músicas e como trabalhou o som no seu filme?

Tenho uma forma muito própria de perceber e introduzir a música e o som no meu cinema. A minha maior motivação para fazer cinema vem das minhas memórias de infância. Como tenho muita dificuldade desde pequeno em ouvir temas sem melodia, como a música techno, sinto sempre uma sensação de estranheza em relação a eles. No filme não usei temas assim. As que aparecem foram rearranjadas para encaixar no guião e transformadas algumas vezes em música para o cinema. No meu mundo existe muito ruído, vindo do ambiente em redor, e estes sons são para mim muito coloridos e uma forma de música.

O seu filme tem qualidades cinematográficas tremendas e faz realmente a diferença vê-lo num grande ecrã. Trabalha sempre a pensar no grande ecrã ou, com as tendências atuais, pensa igualmente no pequeno ecrã?

Os meus produtores podem não querer ouvir-me a dizer isto, mas na minha cabeça o cinema é para se ver em espaços vivos e num grande ecrã. Para mim, quando vês um filme deixas-te ir e és sugado pela experiência, focando-te apenas e só no que estás a ver e ouvir. Só quando estás numa sala de cinema vives de forma mais íntima a personagem que está perante ti, levando-a até ti. E quando te aproximas de ti e falas com o teu interior, podemos dizer que esse é o verdadeiro efeito especial da 7ª Arte. Para mim, quando vês um filme fora do ambiente de sala, perdes toda essa experiência. Quando os filmes são adaptados a multiplataformas, essa experiência desaparece e tudo o que resta é a trama, o enredo.

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