Quinta-feira, 9 Maio

Meryam Joobeur: “a capacidade para executar o mal está em qualquer lado”

Os desmembrar de famílias a partir da saída de elementos que foram combater pelo Estado Islâmico na Síria já tinha sido o foco do filme “Four Daughters” da a cineasta tunisina Kaouther Ben Hania, mas ganha uma nova forma na primeira longa-metragem de Meryam Joobeur, “Who Do I Belong“.

Na corrida ao Urso de Ouro do Festival de Berlim o filme segue uma família que vê regressar um dos dois filhos que fugiram para se juntar ao Daesh, revelando-se a complexidade psicológica do estado desse homem e também do seu pai e mãe, que o recebem de volta de formas bem distintas.

Foi em Berlim que falámos com Meryam Joobeur, que nos contou como nasceu a ideia e como a desenvolveu,

Esta temática tem estado no centro da atenção do cinema tunisino recente. Quando decidiu avançar para este filme e porquê?

Comecei a escrever esta história há 5 anos, mas a jornada para chegar até aqui começou em 2017. Na época, eu e o diretor de fotografia  fizemos uma road trip no norte da Tunísia e conhecemos os irmãos que atuam neste filme, Os casos de homens que saíram da Tunísia para combater pela Isis fizeram manchetes. Isso despertou a minha curiosidade. O que leva um tunisino a fazer isso? E o que leva uma pessoa, em geral, a executar um ato tão extremo? Foi quando estava a fazer uma curta-metragem (Brotherhood) que tive a ideia desta longa-metragem, pretendendo explorar este tema de forma diferente. 

Como são tratadas e vistas as famílias que veem os seus membros mais novos partiram para a Síria? É um tabu nacional?

Quando fiz a curta-metragem, que já abordava isso, senti que estava já a dar uma nova perspectiva ao tema, centrada nas famílias dos que partem e o tabu em torno disso. Havia muita confusão no país porque não havia um padrão de comportamento. Muitas destas pessoas que partiam tinham empregos e nunca demonstraram tendências religiosas. Era para mim importante entender as ramificações dessa decisão nas suas famílias e qual a história delas para essa decisão.

O filme tem algumas decisões estéticas muito características, como aqueles tons violeta que acompanham algumas cenas. Porquê essa escolha?

Muitas das decisões criativas foram feitas instintivamente. Gostaria de ter uma resposta mais elaborada sobre isso (risos), mas não tenho. Muitas vezes um realizador não sabe bem de onde vêm essas decisões, mas o público retira delas a sua própria interpretação. 

Que investigação fez para o filme?

Essencialmente li artigos, não falei com nenhuma família sobre esses casos. Também estudei sobre cultos porque, de certa maneira, sinto que há algo deles na escolha de ir para a Síria combater pela Isis. Porque se juntar a uma ideologia tão extrema? Como usei uma forma muito universal de abordar o tema, criei a minha própria interpretação sobre tudo. Estudei ainda a história das vítimas do Daesh. Tudo o que lemos deu-nos muito material.

O Daesh está diretamente ligado a uma interpretação muito radical do Islão, mas nunca fala particularmente de religião no seu filme. Porque tomou essa decisão?

Não falei especificamente de religião porque a capacidade para executar o mal está em qualquer lado, não exclusivamente no Islão. Desde adolescente que leio muito sobre genocídios e infelizmente é uma questão global. Porém, especialmente depois do 11 de setembro, o mundo islâmico árabe tem sido mais associado a isso. Isso me perturba e por tal quis universalizar o conceito de mal. A capacidade da maldade está dentro de nós e o facto de um povo ter sido vítima no passado não o impede de cometer crimes no presente. E vice versa. Creio que é importante discutir isto.

Existe a figura de uma mulher no filme, que acompanha o filho da família que regressa da Síria, que é muito misteriosa. É ela um fantasma? Um espectro da culpa?

A única coisa que posso dizer é que ela morreu. O que ela é está aberto a interpretações. Fantasma, no arquétipo que conhecemos, não creio que seja. Talvez ela seja uma sombra da culpa dele. Uma manifestação da culpa que ele sente. Aquelas coisas que não queremos ver de nós. Ela está lá, mas ele não a quer ver porque isso mostra o que ele fez no passado. Gosto que essa personagem esteja também aberta a interpretações.

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