Quinta-feira, 9 Maio

Viktor Kossakovsky: “Enquanto não respeitarmos nada nem ninguém, vamos continuar a nos matar”

Ao incluir, nos primeiros momentos do seu filme “Architecton”, imagens de urbanizações inteiras destruídas na Ucrânia, o russo Victor Kossakovsky exprime automaticamente a sua posição contrária à guerra atualmente a decorrer. “Não podia deixar a oportunidade de abordar esta agressão”, disse o realizador de filmes como “Aquarela” e “Gunda” ao C7nema, numa entrevista a propósito da estreia mundial do seu mais recente projeto.

Nascido inicialmente como um projeto de comédia, mas transformado pela pandemia num documentário de alerta, mais uma vez, Kossakovsky volta a criticar a “matança” e rasto de destruição que acompanha o homem  num planeta cada vez mais insustentável. Sempre acompanhado no filme pelo arquiteto italiano Michele De Lucchi, e por um projeto paisagístico de um círculo na sua habitação, Kossakovsky reflete sobre a ascensão e queda das civilizações

É que se em “Aquarela” as questões climáticas ganhavam o foco, e se em “Gunda” era a matança dos animais como desculpa para a sobrevivência humana, em “Architecton” o alvo é a pobreza arquitetónica dos dias de hoje, não tanto em termos de beleza estética (mas também), mas na construção e escolha dos materiais. O cimento, cuja extração e composição tem também consequências nefastas na pegada carbónica do planeta, é um forte alvo de críticas nunca explícitas por qualquer narração ou palavras dos intervenientes, socorrendo-se o cineasta dos exemplos dos edifícios abalroados por um terramoto na Turquia, um míssil na Ucrânia e outros meramente por qualquer outro fenómeno natural. “Olhamos para trás e vemos construções que sobreviveram dois milénios. Agora, constrói-se a pensar em 40 ou 50 anos. Depois reconstrói-se novamente vezes sem conta”.

Com a grandiosidade habitual do impacto das suas imagens, Kossakovsky sempre condenou nos princípios do cinema documental a existência de uma mensagem, Porém, redime-se agora: “Os meus últimos filmes têm todos uma mensagem (…) somos o que somos, as nossas rotinas. E o que é que os humanos fazem mais? Matar…Todos os dias comemos e o que fazemos para isso? Matamos. A nossa atividade diária é matar. É por isto que nos matamos uns aos outros. O matar é um comportamento normal da nossa espécie. É como diz a personagem principal do ‘Guerra e Paz’  do Tolstói: ‘Grande(s) Arquiteto(s) da Natureza, ajudem-me a encontrar o verdadeiro caminho para sair deste labirinto de mentiras’!. Curiosamente, a maioria dos tradutores do livro traduziu mal a palavra Architecton, com múltiplas interpretações (pode ser plural), que é o que ele diz, e colocou apenas ‘Arquiteto’. O meu ponto de vista é o seguinte: ‘Os homens não respeitam nada nem ninguém. Matamos para nossa conveniência e chamamos a isso humanismo. Alimentamos uma vaca, matamos a vaca, transportamos a vaca e distribuímos a vaca por todos nós. Por outro lado, precisamos fazer uma cidade, então destruímos uma floresta. Enquanto não respeitarmos nada, nem ninguém, vamos continuar a matar-nos. Com mais respeito pela natureza, tudo seria diferente”.

O realizador disse ainda que este ano lançará ainda duas outras obras que terão ligação a todo o seu trabalho, mas particularmente a esta nova obra que está na corrida ao Urso de Ouro. 

O Festival de Berlim termina a 26 de fevereiro

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