Quinta-feira, 9 Maio

Pepe: Nelson Arias contra a “ditadura do guião”

Sete anos depois de ter dado nas vistas com “Cocote”, o dominicano Nelson Carlos De Los Santos Arias regressa ao cinema com “Pepe”, um filme inclassificável no que concerne a género e forma, mas que se assume com um dos principais candidatos a sair premiado da Berlinale.

Partindo de um fait-divers na Colômbia que envolveu Pablo Escobar e os hipopótamos que este trouxe de África para o continente sul-americano, e que acabaram abandonados e a invadir os rios locais quando o narcotraficante foi preso, Arias acaba por assinar um trabalho de excelência que traz para discussão o colonialismo, a sua força e impacto até hoje. 

Quando comecei a fazer filmes, primeiro só queria ter as coisas prontas e fazer o que podia, mas depois comecei a ler coisas sobre a teoria pós-colonial. Frantz Fanon, Gayatri Spivak, etc, e comecei a ganhar um background filosófico sobre estas questões e a mestiçagem, não apenas do ponto de vista físico, mas cultural e político. Foi aí que comecei a pensar em misturar diversas coisas para chegar às histórias”, explicou-nos o cineasta em Berlim, onde o seu filme concorre ao Urso de Ouro. 

E para chegar ao seu cinema, inclassificável no género e forma, Nelson recusa-se ceder ao que chama padrões homogeneizados culturais, ou seja, “à ditadura do guião e e enredo”,  tal qual cineastas como Lucrecia Martel: “Uma coisa que aprendes muito rapidamente é que com a dominância da subjetividade, para as coisas funcionarem tem de haver uma homogeneização das pessoas. Todos os países atualmente estão muito americanizados. Parte dessa americanização foi através do cinema e TV, homogeneizando o pensamento. Claro que na luta pela diversidade, percebemos que o mundo é muito heterogéneo. Por isso, temos de produzir novas imagens e novas formas. Quanto a mim, não podemos usar um termo como género para o meu cinema. E mesmo estando numa arte como o cinema, onde o género está sempre no elemento de catalogação, recuso-me a resumir os meus filmes a esse sistema totalitário. Pegando no exemplo de Hollywood, esta vive num regime de ditadura do guião, do enredo. A mise-en-scène trabalha para esse guião. Isto, para mim, é muito semelhante a um sistema totalitário.”

E essa homogeneização das imagens, ideias e pensamentos ganhou novo alento com a chegada do streaming a centenas de países, ajudando a expandir a ideia que o que é filmado tem uma dependência crônica com a trama. “Os filmes e séries da Netflix têm uma estética muito específica. Não interessa de onde vens. Se vais fazer um filme para eles tens de abraçar essa estética”, diz-nos, certo que nunca seria contratado pela Netflix para uma produção. “A Netflix não está só a conquistar a subjetividade, como faz um cinema reaccionário. Como a minha amiga Lucrecia Martel diz, nos anos 60 e 70 o cinema começou a afastar-se dessa ditadura do enredo. E agora ela está mais forte. Além disso, estas coisas estão a destruir o cinema local dos nossos países. Comparando com os preços nos EUA, eles pagam-nos tão pouco. Mas esse pouco é muitíssimo para os nossos atores e técnicos. Há algo de colonialismo nisto, em que uma grande empresa/império vai aos países mais pobres encontrar mão de obra barata. Claro que um governo ou instituição de cinema local, como recebem muito dinheiro desses streamers, gosta deles. Quer dizer: tenho o meu filme em Berlim e o embaixador vem cá e tudo, mas a maior parte das vezes toma decisões que enfraquecem os cinemas nacionais. Por exemplo, eles fazem inúmeros filmes e séries na República Dominicana e contratam localmente os técnicos. Claro que é bom para eles, mas depois quem faz cinema fica sem técnicos para contratar. Tenho pessoas que me dizem: ‘Nelson, o que me ofereces é quatro semanas de filmagens. A Netflix dá-me seis meses’. Claro que compreendo e apoio a decisão deles, mas isso enfraquece o cinema 

O Festival de Berlim termina a 26 de fevereiro.

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