Sábado, 4 Maio

“Os Filhos dos Outros”, o filme mais pessoal de Rebecca Zlotowski

“Os Filhos dos Outros” chega aos cinemas a 25 de maio

Inspirado pelas suas próprias experiências, Rebecca Zlotowski assinou “Os Filhos dos Outros” (Les enfants des autre), projeto que junta no grande ecrã os atores Roschdy Zem e Virginie Efira.

No drama, Rachel (Efira) é uma professora que se apaixona por Ali (Zem), um homem recentemente divorciado e pai de uma menina de quatro anos. Apaixonada, Rachel envolve-se emocionalmente em larga escala, não apenas com o namorado, mas também com a filha dele. Com a mãe biológica da menina em cena, Rachel vê-se ultrapassada em diversas ocasiões, começando a pensar se este não é o momento de tornar-se mãe dos seus próprios filhos ou, aos 40 anos, abdicar definitivamente da maternidade e dedicar-se aos filhos dos outros.

Foi em Paris que nos sentámos à mesa com a realizadora da série “Les Sauvages” e dos filmes “Rapariga Fácil” e “Planetarium“, e falámos deste “Os Filhos dos Outros”, que chegou esta semana aos cinemas nacionais.

Como nasceu este “Os Filhos dos Outros”?

Este projeto chegou até mim de forma natural já que tem um fundo muito autobiográfico, algo que é novo para mim. Esta é a minha quinta longa-metragem e o meu paradigma era pegar nos meus pensamentos e escritos e fazer um filme. Sou fã do Hong Sang-soo e Philippe Garrel e por isso há muito tempo pensava que podia ser interessante fazer um filme a partir desta base. Mas comecei por uma adaptação, de um romance do Romain Gary, “Au-delà de cette limite votre ticket n’est plus valable”. Um romance sobre a impotência de um homem, que lentamente se foi transformando na impotência de uma mulher, com a adição dos elementos biográficos.

Os projetos que decide fazer nascem de um método ou vêm, acima de tudo, da intuição?

Em França temos uma longa tradição do cinema de autor. Os realizadores também escrevem os guiões e, de filme em filme, avançamos para o tema que mais nos preocupa no momento. Por isso, falamos sobre a adolescência quando temos 25 anos, ou sobre o amor quando chegamos aos 30. É normalmente assim que os filmes se impõem. No meu caso, foi a conjugação de três coisas: uma história muito pessoal, o que não significa biográfica, embora neste caso seja ambas as coisas; que eu não me imponha na história, ou seja, que este não seja um objeto de masturbação pessoal; e, finalmente, uma questão de cinema, em que olhei para a indústria do cinema e não encontrei a minha personagem em lado algum. Ela até pode existir noutras obras, mas como secundária. Queria trazê-la para o protagonismo.  Quando estas três coisas se juntaram e solidificaram-se num tema, nasceu o filme. 

Venice Film Festival – Rebecca Zlotowski e Virginie Efira. REUTERS/Guglielmo Mangiapane

O facto de ser um filme pessoal alterou a sua forma de trabalhar?

Sim, mas… Será que escolhi fazer este filme porque estava sozinha a escrever – durante a pandemia – e estava bloqueada na imaginação? É que nem podia sair para me inspirar. Será que foi isso?

A verdade é que nos meus filmes anteriores costumava ir onde não era fácil, como uma central nuclear. Ir a uma central nuclear era algo interdito para mim, por isso fiz um filme com ela. Neste caso do Os Filhos dos Outros”, a minha única inspiração era a pessoa que via no espelho e talvez fosse interessante escrever sobre ela.

Em termos de metodologia, adoro escrever a 2 ou 3 pessoas, mas neste caso estava realmente sozinha e não podíamos ver ninguém. Quer dizer, podíamos ligar o Zoom, mas sou daquelas pessoas que adoram ir ao café com outros argumentistas, beber um copo (risos) e jantar.

Nos seus filmes existem frequentemente detalhes que funcionam como uma assinatura autoral. Por exemplo, as transições da montagem entre cenas. Tem já um conceito de cinema com esses detalhes definidos ou continua a experimentar?

Creio que isso está ligado à minha natureza literária. Uso esses momentos como uma pausa em que as emoções de um segmento duram uma estação. Não é bem uma maneira de fazer as coisas, é algo menos rítmico e mais atmosférico. Como se fossem as estações da nossa vida. É uma forma do cinema iluminar um momento específico. Amo fazer isso e faço-o sem refletir previamente. 

E quando escreveu o guião deste “Os Filhos dos Outros”, pensou nos atores?

Sim, quer dizer, pensei no Roschdy, mas não na Virginie. Bem, pensando melhor, para fazer aquele papel só vejo uma ou duas atrizes em França capazes. Por superstição nunca penso na Virginie quando escrevo porque nunca sabemos se ela diz sim ou não. Por isso, não faço normalmente papéis à medida de alguém.

Claro que no meu filme anterior, “Rapariga Fácil” (Une Fille Facile), escrevi com a Zahia Dehar na mente, mas em geral não o faço. No caso do Roschdy, ele estava na minha mente desde o início.

E como trabalhou a personagem da menina e da mãe dela?

Foi algo bem orgânico e natural. Queria uma criança genérica, de cabelos curtos. Não queria uma personagem com uma personalidade própria, nem uma adolescente. Na infância somos bastante afetuosos e frontais, sem filtros, enquanto na adolescência surgem outros problemas e conflitos. Queria assim alguém ainda pequeno. Para mim, a criança era o tema do filme, mas nunca a protagonista.

Quanto ao papel da mãe biológica da menina, interpretada pela Chiara Mastroianni, queria que fosse alguém que amássemos imediatamente. E a Chiara é isso.

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