Sexta-feira, 17 Maio

‘Sideral’ na rota dos Oscars

Vencedor do prémio principal da mostra Corti d’Autore de Locarno, em agosto passado, com “Big Bang”, Carlos Segundo hoje se empenha para que o seu filme anterior, “Sideral”, lançado na competição pela Palma de Ouro de curtas-metragens de Cannes de 2021, possa levar a língua portuguesa à disputa ao Oscar. No dia 24 de janeiro, o seu nome pode ser anunciado entre os cinco candidatos à estatueta de Melhor Curta de Ficção, uma vez que a produção brasileira, rodada em Natal, no Rio Grande do Norte, integra a shortlist da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Essa hipótese já amplia o prestígio do seu realizador, nascido em São Paulo, em 1979. Professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Carlos usou o estado onde hoje leciona como palco para a filmagem de uma narrativa voltada para as estrelas.

Na trama, o primeiro lançamento de um foguete brasileiro está prestes a acontecer. Um casal mora com os dois filhos perto do centro espacial sul-americano e acompanha, de longe, as tramitações da corrida especial. Ele é mecânico, enquanto ela faz limpezas. Porém, a mulher sonha com outros horizontes. Carlos e o Brasil também.  Nesta entrevista ao C7, o realizador analisa o atual cenário da produção de pequenos grandes filmes no seu país.

As suas curtas premiadas, “Sideral” e “Big Bang”, têm uma mirada muito subtil para a solidão, para a incomunicabilidade e para algo que poderia ser chamado de “desajuste”. Como define as personagens sobre as quais se debruça? Que Brasil essas pessoas representam?

Acho que “desajuste” é uma boa palavra para se referir aos personagens que normalmente abordo e me interessam muito observar (ou criar), no mundo, aquilo que está à margem, algo na ordem do ordinário. Ao olhar para esse universo, tento encontrar potência nesse mesmo ordinário. É um exercício de olhar para esse corpo, ainda imaterial e simbólico, na tentativa de descobrir o desejo que pulsa internamente e se camufla em meio às obrigatoriedades quotidianas da vida. Ao mesmo tempo, começo a pensar como levar essa personagem ao limite da sua própria existência. Esse limite vai se refletir em um ato objetivo de rutura. Eu acho que eles acabam representando (não de forma consciente para mim) esse Brasil da (re)existência e das pequenas revoluções. Acredito muito nas grandes transformações, mas talvez prefira trabalhar, nosmeus filmes, as pequenas e quase invisíveis revoluções.

Curta brasileira iniciou carreira em Cannes, em 2021

Levou a curta-metragem brasileira a lugares de excelência, de 2021 a este início de 2023. Mas que cenário económico e político encontrou, no universo da produção audiovisual, no processo de realização desses filmes? Que lugar as curtas têm hoje no Brasil?

Em 2016, eu estava no circuito de festivais, principalmente o internacional, com um filme de que gosto muito – Ainda Sangro Por Dentro – e, pela primeira vez, sentia que estava num bom momento para me aventurar em uma longa-metragem. Aquela curta teve a sua estreia em Clermont-Ferrand. Era a primeira das quatro vezes que fui selecionado. Havia ali uma construção sólida que apontava um caminho… o desajuste. Mas, no mesmo ano, veio o golpe. Ali, eu já começava a sentir que as coisas não seguiriam bem. Não imaginava que chegariam ao fundo do poço, como foi o que aconteceu na sequência. Em todo o caso, sabia que era importante seguir filmando. Creio que o facto de eu ter começado a fazer cinema em Uberlândia (em Minas Gerais) ajudou-me bastante. A falta de recurso financeiro e técnico, acabou me obrigando a desenvolver outros tipos de habilidades: a forma e o conceito. Foi isso, certamente, o que me ajudou a ter oxigénio para continuar produzindo. Eram filmes menores, mas com camadas conceituais e formais interessantes. Para além disso, em 2018, na segunda vez que estive com uma curta em Clermont-Ferrand, econheci os produtores (e hoje amigos) Justin e Damien, da Les Valseurs. Esse encontro foi fundamental para que o meu cinema ganhasse um fôlego novo. Então, 2021 e 2023 são, em certa medida, o reflexo de uma trajetória sinuosa e labiríntica que se soma ao encontro de um novo território, Natal, no Rio Grande do Norte. Esse é um novo capítulo, com o meu trabalho na universidade e as pessoas/amigos/profissionais que eu encontrei e me juntei.

O que se passou com o cinema no Brasil desde o golpe, em 2016?
Esses seis anos de destruição do cinema brasileiro pelo governo federal acabou construindo um cenário singular. Nomes que já haviam se consolidado com um cinema mais “popular” conseguiram seguir produzindo, mas outros tantos acabaram ficando nesse limbo entre a incapacidade financeira de produzir suas longas e a dificuldade de voltar a produzir curtas. Por isso, quem não havia ainda conseguido dar um passo à frente com a longa-metragem (foi o meu caso) e a nova geração sedenta por produzir (Leonardo Martinelli, por exemplo) encontrou na curta-metragem a possibilidade de seguir produzindo. Então, nesses últimos anos, o formato de curta-metragem acabou ocupando um espaço fundamental de manutenção do circuito, principalmente internacional. Então, em 2023, cujo reflexo será percebido mesmo em 2024, chegamos em um momento interessante. Há um represamento de produções de realizadores(as) mais experientes e uma nova geração de curta-metragistas que estão num grande momento criativo. É aguardar para ver o caldo que vai sair disso tudo.

Filme vencedor da mostra Corti d’Autore em Locarno

Que movimentos faz agora para a mobilização internacional dos média e dos votantes da Academia de Hollywood para conseguir uma vitória para “Sideral” no Oscar?
Estamos caminhando etapa por etapa. Mas, basicamente, trabalhamos em duas frentes. A primeira é voltada para o público geral, na intenção de manter o nome do filme circulando, de modo a criar uma onda positiva em torno da sua presença na fase final. A segunda frente é voltada para uma divulgação direta, para os votantes – algo comum em qualquer campanha – instigando-os a assistir e, se possível, votar no filme. Sabemos da força da curta e sei que existe um diálogo narrativo e estético interessante com diferentes culturas e gerações. É um filme bem universal, nesse sentido. Mas temos consciência também de que Sideral é um ponto fora da curva nessa shortlist. Quando olhamos para os outros 14 filmes, é visível uma certa distinção entre Sideral e todos os outros. De caras, é o único filme em P&B e com janela 4×3. Mas é também um filme que se distingue dos demais na forma de narrar e de se desenvolver, distanciando-se de um formato mais clássico na construção da personagem e da sua jornada. Talvez esse seja o nosso trunfo para chegar entre os cinco concorrentes. Por enquanto, esse é o nosso foco.

Notícias