Segunda-feira, 20 Maio

Emma Benestan: “Vejo cada vez mais cineastas mulheres”

Entrevista feita no âmbito da Festa de Cinema Francês, edição 2022, Lisboa.

Emma Benestan, é argumentista, realizadora e montadora franco-argelina. Nasceu em Montpelier, FR. Licenciou-se em cinema na Fémis, em Paris. Antes de se tornar cineasta, trabalhou como montadora em longas-metragens, como “Mektoub my love“, de Abdellatif Kechiche (Veneza 2017); e colaborou em diversos projetos como argumentista. Realizou os curtas-metragens: “Prends garde à toi” (2019); “Un monde sans bête “(Clermont Ferrand 2018), “Goût bacon(70 presenças em festivais em 2016) e “Belle gueule” (60 seleções em festivais e vencedor do prémio de qualidade CNC em 2016). Na sua primeira e recente longa-metragem, Frágile“, 2021, ela distorce os códigos tradicionais da comédia e traz um olhar diferente e feminista sobre a masculinidade contemporânea. O filme foi lançado nas salas de cinema da França e aclamado pela crítica.

Porque escolheste o cinema?

Tive a sorte de ter um pai amante do cinema, que queria fazer filmes, mas não podia, porque tinha de trabalhar para sobreviver como imigrante em França. Mas ele fez me acreditar no cinema e não em outra crença. Ele dizia que, quando era jovem em Oran, às vezes tinha que escolher um prato de calentika (comida típica da Argélia) ou um filme, e que preferia um filme. Porque isto lhe permitia sonhar, escapar e também crescer. Então, eu diria que com um pai assim, de facto, eu não escolhi, mas o cinema se impôs para mim ainda muito nova, na infância, quando o meu pai mostrava-me os seus filmes favoritos.

O que significa ser realizadora?

Não sei o que significa, mas sei que demorei muito tempo a dizer que era realizadora.  A legitimidade não é óbvia, também o facto de eu ter cada vez mais amigos que assim como eu, fazem este trabalho, o que é bastante raro, e  talvez me ajude a fazer parte desta legitimidade.

Nasceste em França, em Montpellier,  e também tens nacionalidade argelina. Isto traz algum desafio para trabalhar como realizadora em França?

Sou franco-argelina, nascida de uma mãe francesa e um pai argelino, mas cresci principalmente em França. Penso que, mais do que um desafio cultural, é mais a nível social que se joga. O cinema ainda é maioritariamente burguês, impregnado de uma cultura com estes códigos. E quando se chega com códigos que não são realmente os do bom gosto de um certo cinema francês, nem sempre é fácil encontrar o seu lugar.

Quais são as dificuldades de realizar uma longa-metragem?

Pode haver problemas com o tempo, com as cenas, os cenários… O importante, penso eu, é estar bem rodeada, ter uma equipa sólida para poder solucionar o inesperado. E quando se faz um filme se está em família, nunca se está totalmente só. É bastante agradável, e se estivermos realmente unidos gerimos as dificuldades em conjunto.

Nas curtas-metragens “Belle gueule” e “Prends garde à toi” abordas, entre outras coisas, a relação entre mulheres e homens.

E na primeira e recente longa-metragem, “Fragile “, este tema persiste de outra forma: falas de uma masculinidade frágil, diferente do que estamos habituados, em geral, a ver no cinema. O protagonista Az sofre uma desilusão amorosa e tenta a todo o custo recuperar o amor da jovem que ama. Ele trabalha na recolha de ostras e, enquanto pensa na capacidade auto-reprodutiva das ostras, faz um jogo entre ostras e seres humanos, dizendo que seria “a solução para acabar com a guerra dos sexos“. A sociedade patriarcal sempre atribuiu à masculinidade e aos homens um certo poder sobre as mulheres, empoderando aos homens e enfraquecendo as mulheres. Qual é a tua opinião sobre estas questões?

Sim, é verdade, temos uma sociedade patriarcal que ainda está muito presente e que tem atribuído muito poder aos homens. Mas eu cresci com um pai que me criou de uma forma muito feminista, empurrando-me para ter sucesso na vida, no meu trabalho, não ter medo de posições de poder. Por isso também penso que quanto mais nos abrirmos a novas representações do masculino e do feminino, mais permitiremos que as novas gerações sejam mais horizontais, igualitárias e mais justas.

Há algo de pessoal nos teus filmes?

Sim, penso que sim. Caso contrário, seria impossível persistir tanto. Para fazer um filme, demora entre 2 a 5 anos, entre o momento em que o escrevo, filmo e monto. Se não colocar algo de si mesmo nele, pelo menos para mim, seria impossível ficar com a mesma história durante tanto tempo.

Ao longo da história do cinema, nós mulheres temos sido invisibilizadas, especialmente em papéis de destaque, como realizadoras e argumentistas. Mas, nos últimos anos, a situação tem melhorado.

O que tem contribuído para esta mudança?

Muitas coisas, movimentos, incluindo o Metoo. Há realmente um antes e um depois. E também dentro do cinema. Quando era estudante, havia paridade na escola, mas quando saímos já não havia paridade, especialmente para realizadores, montadores e outros papeis principais. Era montadora, na altura, e fiquei impressionada com o facto de algumas pessoas terem dito abertamente que não queriam trabalhar com mulheres. Raramente ouvi o oposto. Agora, vejo cada vez mais cineastas mulheres. É lindo!

Quão importante é para as mulheres contar histórias e fazer filmes a partir de uma perspetiva feminina?

Penso que todos queremos contar histórias, tanto homens como mulheres, e falar sobre o que nos toca, nos perturba. O importante é ter uma diversidade de pontos de vista que também permita uma diversidade de histórias, de personagens, e que nos torne mais conscientes uns dos outros. Quando faço um filme, nunca digo a mim mesma, “oh, isso é um ponto de vista feminino“. Antes, me pergunto como a nível pessoal vou mudar certas coisas, e falar de forma diferente sobre as relações homem/mulher.

Consideras-te feminista?

Sim, considero-me uma feminista, com um desejo real de questionar o género. Uma feminista humanista que questiona tanto o masculino quanto o feminino. É preciso defender as novas personagens masculinas tanto como lutar por outras representações femininas. Porque um não pode existir sem o outro.

Na tua opinião, o que poderia ser feito para que mulheres e homens (realizadores, argumentistas e não só) tenham as mesmas oportunidades de fazer e mostrar o seu trabalho?

É complexo, porque a sociedade está a mudar, mas está a mudar lentamente. Penso que todas as grandes iniciativas para honrar as mulheres cineastas, ou para encorajar as equipas a serem mais equilibradas em termos de género (através do apoio do CNC-Centre National de la Cinématographie em França, por exemplo), são iniciativas que estão gradualmente a mudar a forma como encaramos as coisas e como ajudamos a mudá-las.

Por último, poderia nomear mulheres cineastas que inspiram o teu cinema?

Julie Bertucelli, Jane Campion, Katheryn Bigelow. As três têm um cinema muito pessoal, muito forte e sincero.

Notícias