Sexta-feira, 10 Maio

Elsa Zylberstein é Simone Veil em “Simone- A Viagem do Século”

"Simone- A Viagem do Século" estreia nos cinemas a 4 de maio

Conhecida por atuar em filmes de cineastas como Maurice Pialat, Raoul Ruiz, Anne Fontaine, Jean-Pierre Jeunet e Claude Lelouch, Elsa Zylberstein teve em “Simone – Le voyage du siècle“, de Olivier Dahan, um dos papéis mais complexos da sua carreira.

E ao interpretar o papel de Simone Veil, sobrevivente do Holocausto que ficou principalmente conhecida pelo facto de enquanto Ministra da Saúde ter defendido, em 1974, um projeto de lei que despenalizava a interrupção voluntária da gravidez em França, Zylberstein atingiu um novo nível de excelência.

Foi em janeiro deste ano que voltámos a nos encontrar com a atriz e falámos sobre as dificuldades e a pressão de assumir o corpo e alma de uma das figuras mais importantes do século XX. Uma conversa para seguirem abaixo.

Quando falámos há um ano sobre  “Tout nous sourit”, disse-me que tinha um coach americano. Como foi trabalhar com ele para interpretar alguém como a Simone Veil?

Foi muito trabalhoso representar alguém real como a Simone Veil. Foi como percorrer uma montanha, o partir de mim para chegar a ela. Um trabalho de observação minucioso, de entrar na sua cabeça, corpo, pensamento, respiração. Entrar em tudo o que ela é. Consegui isso aos poucos, o entrar no seu mundo.

Como atriz, sentiu a pressão de interpretar uma figura tão importante do século XX? É que ela atravessou inúmeros momentos fulcrais do século passado, do Shoah às questões do feminismo da década de 1970, em particular o tema do aborto, que recentemente foi o tema de “O Acontecimento”. O que lhe diz a figura de Simone Veil?

À partida, ela é um exemplo de resiliência, coragem, dignidade, força e voluntariado. Uma mulher que vem do inferno (campo de concentração) e reinventa a sua vida aos 18 anos, decidindo seguir o Direito. Durante toda a sua vida vai-se bater pela dignidade das mulheres, como o direito ao aborto, à escolha e decisão das mulheres sobre os seus próprios corpos. Acima de tudo, lutou pela dignidade de todos os seres humanos. Creio que tudo vem do que ela viveu como judia no Holocausto, das atrocidades que assistiu, sem se render à monstruosidade do ser humano.

Creio que em 1970 a batalha feminista não era a mesma que agora. Lutava-se por coisas que agora são consideradas simples e naturais, como o direito ao trabalho. Uma mulher que não dependia de um homem, nos anos 30, 40 e 50, era por si só considerada uma feminista. Ela, desde cedo, queria trabalhar como os homens e logo aí marcava a diferença. O ato de trabalhar como liberdade. 

E o tema do Holocausto? Temos um outro filme recente, “L’Homme de la cave”, que aborda essa questão, especialmente em tempos em que vivemos com o negacionismo. Era importante o Shoah ter um papel como o que tem neste filme, até para manter na memória essa questão numa altura em que muitos dos sobreviventes começam a desaparecer e são assim incapazes de contar o que aconteceu?

Foi exatamente por isso que quis fazer este papel. Conhecia Simone Veil, mas era importante existir esta transmissão do que aconteceu. Fazer um filme é um ato político e é importante que as novas gerações descubram o que aconteceu. E através de um filme talvez até seja mais fácil aprenderem isso que por um professor que os ensina numa aula. Para mim, fazer uma ficção, uma longa-metragem sobre a Simone Veil, era algo evidente.  

E como foi o seu trabalho com o Olivier Dahan para levar a Simone Veil ao cinema?

Trabalhei muito antes das filmagens. Fiquei muito feliz por ser ele a fazer esta obra. Preparei tudo antes e propus algumas coisas antes de filmar, durante duas ou três semanas. Do falar ao respirar, preparei tudo. Depois com o Olivier trabalhamos nas formas diferentes de abordar os discursos. Trabalhei durante um ano para me preparar para me tornar nela.

O Olivier é um grande diretor de atores e chegamos a um acordo nesse diálogo, onde por vezes confesso que havia intransigências. Mas delas saiu esta mulher às vezes trágica e às vezes sensível que tem toda aquela herança histórica. Alguém que carrega a sua mãe e irmã nela, aquela ferida intima que se sente no seu olhar. Era isso que me atraiu nela.

E qual foi o maior desafio que encontrou para interpretar a Simone?

Provavelmente o entrar na sua estrutura física, de encontrar a sua forma de andar, marchar, de se sentar. Tenho um metro e setenta, fiz dança clássica, e foi complicado lidar com esses elementos da fisicalidade. De me sentar e mover como ela. Marchei horas e horas sozinha no meu apartamento para a tentar imitar. Os seus movimentos e outros elementos íntimos, como a profundidade do seu olhar ferido, foram complexos de atingir. A sua ternura, mas também violência e dor do olhar foram difíceis de mimicar. 

Surgiu recentemente em vários filmes e todos bem diferentes. Está no filme mais recente do Jean Pierre Jeunet, neste e também no “Champagne”. Tem algum método para escolher os papéis que interpreta? 

Há muito instinto. Na verdade, acho que não escolho papéis, eles é que me escolhem a mim. É algo inexplicável, mas sei quando um papel é para mim (risos).

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