Domingo, 19 Maio

Holy Spider: Ali Abbasi regressa com filme noir no Irão

Um dos filmes que provocou burburinho no Festival de Cannes é “Holy Spider”, projeto que marca o regresso de Ali Abbasi, ele que há uns anos deu que falar com o seu críptico “Border”. 

Mudando radicalmente de tema e também de ambiente, o filme leva-nos a Meshed, Irão (ainda que tenha sido filmado na Jordânia…), no início dos anos 2000, quando um serial killer assassinou dezenas de prostitutas, invocando que estava a proteger a sociedade das más influências. 

Com momentos de extrema violência e uma cena de sexo oral explicita, o filme distancia-se do “Irão” cinematográfico que estamos habituados a ver no grande ecrã, continuando assim uma abordagem a um país que já foi abalado pelo filme “Just 6.5”, o qual revela o enorme problema da toxicodependência no país. 

Quando estava a fazer a pesquisa para o filme fui vendo vários filmes iranianos que retratavam a prostituição e neles apenas vemos uma mulher com um bocadinho de maquilhagem e vestida de uma maneira um pouquinho arrojada”, explicou-nos o cineasta em Cannes. “A prostituição é um emprego. Vais e fazes uma transação. Por isso, pensei nas prostitutas do meu filme como alguém que vai trabalhar. Se ela fosse uma bombeira seria estranho mostrá-la com o fato e o capacete colocado e fechado. Por isso mesmo, era importante para mim mostrar como as prostitutas no Irão realmente são. Como o trabalho sexual é diferente no Irão, as suas especificidades. Mas continuo a achar que não fui assim tão explícito. Sim, mostrei parte de  um pénis, mas eles existem, por isso…”.

Sobre o serial killer no centro do seu filme, Abbasi destaca que o que choca é a sua normalidade: “O que mais choca no meu serial killer é que ele não é puro mal, nem muito inteligente. Ele é chocantemente normal. Tem filhos, é casado com uma mulher que ama, é um bom vizinho. É alguém bom para se ter ao lado, mas é também um serial killer nas horas vagas(risos). Nestas áreas suburbanas muito densificadas, tudo o que fazes, como vives, é do conhecimento de todos. Por isso todo o caso foi muito chocante onde ele vivia.  Ver como este homem, contra todas as probabilidades, consegue fazer tudo isto e escapar da atenção de todos.

Ali Abbasi

Para o cineasta radicado na Dinamarca, toxicodependência e prostituição são óbvias no país, mas nunca fazem a transição para o cinema devido à censura local: “A prostituição nestes locais é muito comum e tão visível  que não é propriamente um segredo. Juntando aos documentários que vi sobre o tema e a minha experiência no local, sinto que é um tema que está afastado da realidade que conhecemos do Irão, mas é sem dúvida algo muito presente”.

Um “Noir Persa

Quem vier para ver como as coisas no Irão são, e em que fase estamos da condição feminina,  então este filme é uma má opção. Este é um filme noir“, diz-nos Abbasi quando questionado sobre o que o cinema iraniano que chega aos festivais de cinema costuma ser. “Por isso mesmo, seria estranho fazer um noir e os policias não serem corruptos. E seria estranho se as ruas estivessem impecáveis e limpas, ou não existisse crime no centro. Quando pensei no filme pensei-o como noir, mas um noir enraizado no Irão. Este é um noir persa e não uma versão local do “Silêncio dos Inocentes”, embora muita gente gostasse que ele fosse isso. Se reparar, as imagens, os temas abordados, as cores utilizadas, etc, são diferentes dos noir tradicionais.

Misoginia

Nascido no Irão, mas radicado na Dinamarca, Abbasi não tem dúvidas que o Irão é um país com grandes problemas em relação à misoginia, e já o era antes da Revolução Islâmica. Ainda assim, o cineasta aponta diversos contrastes no país e faz uma comparação com a Arábia Saudita: “Estranhamente é um país também de contrastes, onde a maior parte dos alunos do ensino superior são mulheres. Temos médicas, engenheiras, etc. Acho sempre bizarro a imprensa ocidental vangloriar o facto das mulheres poderem conduzir na Arábia Saudita, dando a ideia de um país progressista. É ridículo! No Irão podem fazer isso há décadas e nunca ninguém falou do tema, pois é algo perfeitamente normal.” Ainda assim, o realizador não conseguiu filmar o projeto no país, apontando esse facto como “uma maldição, mas também uma bênção”.  “Tentei mas não permitiram. Claro que seria bom para dar autenticidade ao filme, mas simultaneamente isto permitiu-me a criação de um universo e geografia muito próprios. Se pensarmos na Chinatown de Los Angeles que vemos nos filmes, ela não existe. É um espaço mental. No meu filme passa-se o mesmo”.

Holy Spider” concorreu à Palma de Ouro e estreia a 16 de fevereiro.

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