Segunda-feira, 20 Maio

O “Milagre” que afasta o cinema romeno do realismo

Segundo filme de uma trilogia iniciada com “Unidentified”, “Miracle” (Milagre) acompanha de perto o calvário de duas personagens que habitam as imediações de uma pequena localidade que também já era o centro do seu primeiro filme: uma noviça que sai de um convento por uma razão problemática que vamos descobrir, e que nessa viagem de ida e volta é vítima de um ato cruel; e um polícia que tenta capturar o perpetrador desse ato.

Drama profundo, com um toque policial, e sem perder “o sentido de humor absurdo” caracteristico da Roménia (“a única coisa que podíamos fazer nos tempos do comunismo”), “Milagre” afasta-se incisivamente da estética e do realismo característico da “Nova Vaga Romena” que Cristian Puiu inaugurou com o seu “A Morte do Sr. Lazarescu”.

Ioana Bugarin em “Milagre” (2021)

Embora reconheça valor nesse “movimento”, o realizador Bogdan George Apetri confessa que segue antes outro caminho: “Gosto de cineastas que sabem que, ao contar uma história com recurso ao cinema, têm uma responsabilidade com a audiência. Se dependes demasiado dos atores, não confias completamente no cinema. Se dependes muito da montagem, existe também um problema.”, disse-nos Bogdan Apetri no Festival do Cairo, onde o seu filme concorre ao prémio principal. “Gosto de Kurosawa, Kieslowski, Billy Wilder, ou seja, alguém que sabe contar uma história de forma diferente há que surge num livro. Tento isso no meu filme, com cada cena a ter a sua correspondência visual. Muita gente até me insere na Nova Vaga Romena pelos planos longos, mas nunca olho além do filme para construir o meu, nem sigo tendências pelo seu sucesso em festivais”. 

A fuga ao “realismo” a certo momento no seu filme é também uma marca que vai contra a chamada Nova Vaga: “Muita gente não entende o milagre no fim do filme(…) Para mim, até este momento, era fulcral que todo o tempo anterior fosse trabalhado de uma forma realista, ou seja, se uma viagem demorar 4 minutos, são 4 minutos de cena. O tempo é real até ao final do filme, momento em que explode e afastamo-nos do realismo”.

Radicado em Nova Iorque e professor na Universidade de Columbia, Apetri explica a gimnica por trás da sua trilogia, que deverá estar completa a médio prazo: “Todas as histórias são diferentes, mas as personagens e atores são as mesmas. É uma ideia que vem da minha leitura de Balzac, quando uma personagem que está no pano de fundo num dos livros, está em destaque no seguinte. No terceiro filme vamos acompanhar uma freira que aparece duas vezes neste “Miracle”, a que viu a noviça durante a manhã no dia da ação, mas mais tarde nega ao policia esse facto. O  “Unidentified” é muito subjetivo na análise a um homem. O “Miracle” a um homem e uma mulher. O próximo será inteiramente focado numa mulher”.

Milagre” estreou em Veneza e chega aos cinemas portugueses a 29 de fevereiro.

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