Quinta-feira, 9 Maio

Jesus mostra-te o caminho para a auto-estrada…

Um dos filmes mais loucos e divertidos do ano tem sessão no Cinefiesta este sábado (27/11). O C7nema foi ao cinema São Jorge para uma descontraída conversa com os atores Guillermo Llansó e Mateo Augustín...

Jesus Shows You the Way to the Highway“, do espanhol Miguel Llansó, já circula no circuito de festivais desde de 2019 – numa trajetória cuja longa duração se vai tornando comum à custa da pandemia. Também teve estreia em alguns países e no formato “blue-ray” nos Estados Unidos – mas ainda continua inédito no seu país. As particularidades já começam na geografia da sua produção – que envolve um estranho triângulo entre Europa mediterrânica (Espanha), Leste europeu (Estónia, Letónia) e… África (Etiópia).

O filme conta a história de… Bom, o filme não conta propriamente uma “história” – embora a sinopse fale em “hackers”, vírus informáticos, investigações, CIA, União Soviética, etc. Mais que tudo, é antes o cenário de muita bizarrice, como um sujeito designado por “Batfro” – uma versão negra do “homem-morcego” que depois de uma grande “snifada” anda pelo mundo a caçar viciados.

No meio da ação (filmada em película…) há “stop-motion” – uma vez que, quando os heróis entram pelo mundo do “psychobook” (através de um processo à Matrix), os personagens transformam-se em figuras de videojogos pixelados. Isso antes do próprio Jesus aparecer…

Llansó e Augustín vieram a Lisboa pela primeira vez para o Cinefiesta. Na conversa no cinema São Jorge, palco do festival, esbanjaram sentido de humor e simpatia e falaram sobre as maluqueiras de uma produção que demorou dois anos devido a interrupções diversas e os levou a filmagens na Etiópia não distantes de crocodilos, leões, hipopótamos… e parasitas!

PRÉMIOS DA AUDIÊNCIA

Em geral bastante bem recebido pela crítica internacional, toda a peregrinação do filme pelo mundo fora levou a uma série de “prémios da audiência” de Melhor Filme. Começamos por perguntar se este é um filme que funciona particularmente bem numa sala de cinema, como uma experiência coletiva.

Creio que é um filme que funciona concretamente bem em festivais”, diz Llansó. Mateo Augustín concorda: “Sim, eu acho que em festivais o público é diferente das salas comerciais. São pessoas que gostam de filmes mais ousados e de surpresas. E esse filme tem bastante surpresas!” (risos).

RINDO DE UM MUNDO QUE ESTÁ UMA M…

E o caos do filme confunde-se, de alguma forma, com o espírito durante as filmagens? Segundo Guillermo Llansó, “a maneira de rodar que tem o Miguel vai mais além do ‘set’, das filmagens – segue enquanto está a dormir, quando estamos a jantar.  Criamos esse humor absurdo e rimos um pouco de como está o mundo. Acho que isso passa completamente para o filme e se aplica a tudo.”

Falando em humor, acham que este artifício possibilita melhor que outros géneros fazer crítica social? O ator acha que é a ficção que, de um modo geral, permite isso. Mas a comédia permite que se faça isso sem que o espectador tenha uma atitude agressiva para com o filme. “Quando se mescla ficção e humor, absurdo e surrealismo, há liberdade para se falar de qualquer coisa. As pessoas olham para aquilo, dão risada e pensam ‘estamos na m…’!” (risos).

FITZCARRALDO

Voltando à produção, a obra foi filmada em película, nada de digital, e, portanto, não havia espaços para filmagens caóticas – nem muitos improvisos. Neste sentido, foi sério. Augustín complementa: “Há algo muito honesto da parte do Miguel no sentido em que o universo do filme é condizente com o que se passa do lado de fora. Esse foi um projeto que começou como uma rodagem entre amigos. O diretor de fotografia tinha trabalhado no filme anterior com ele, o Guillermo é seu irmão e conheço-os há muitos anos. É verdade que foram dois anos e no final já havia um cansaço do estilo ‘temos de terminar isso’. Mas o Miguel tem tanta paixão pelo que faz que conseguiu manter o espírito”.

Quanto a referências cinematográficas, algo de especial inspirou o cineasta? Segundo Augustín, para além da cinefilia e das muitas referências que Miguel Llansó usa no filme, talvez a maior citação seja a da figura de Werner Herzog – grande cineasta alemão em cujo um dos clássicos, “Fitzcarraldo“, carregava-se um barco pela Amazónia adentro. “Ele acredita na ideia de que a arte muda quem a faz e quem assiste. No nosso caso, fomos à Etiópia filmar, sofremos, experimentamos transformações”, diz.

ERA UMA VEZ NA ETIÓPIA

As filmagens levaram-vos à Etiópia. Já conheciam? “Não conhecia”, diz Llansó. “Foi uma experiência brutal. Até arranjei um ‘amigo’ durante um ano e meio – um parasita que me fez lembrar o filme muito tempo! (risos). Mas me pareceu fantástico rodar aí, completamente caótico. Num outro momento precisávamos de uma arma de verdade, então um polícia emprestou a dele e disse ‘tira as balas e podes usar. Sei que não vais matar ninguém mesmo!” (risos).

Era tudo muito louco”, continua. “Havia paragens de vez em quando porque havia crocodilos por perto. Depois nos informaram que estávamos a dois quilómetros de uma reserva de leões. Eu estava vestido com um traje de mosca e diziam ‘daqui a dois quilómetros há uma reserva de leões’ (risos). E todo mundo com botas, roupas atléticas, e eu com aquele traje (risos). Não me agrada muito esta informação agora!” (risos).

Em termos de projetos futuros, Guillermo Llansó estará na próxima edição do Festival de Roterdão (em final de janeiro) com “Inmotep“, de Julián Génisson, enquanto Mateo Augustín surge no filme de estreia de Andrea Bagney, “Ramona“, ainda sem data de lançamento. 

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