Domingo, 19 Maio

The Noise of Engines: a lufada de ar fresco que o cinema canadiano precisava

Quando nos encontrámos com o jovem canadiano Philippe Grégoire, no último Festival de San Sebastián, o próprio avisou logo a abrir a conversa : “Bem, este é o meu primeiro filme e também a minha primeira entrevista, por isso peço já desculpa por seres o primeiro da lista (risos). Tenho a certeza que durante o dia vou melhorar as minhas capacidades de dar entrevistas”.

Esta pitada de humor para retirar alguma solenidade (e stress) à situação, serviu de mote para uma conversa divertida onde Grégoire explicou-nos um pouco mais sobre a sua estreia nas longas-metragens, “Le Bruit Des Moteurs“ (The Noise of Engines), uma comédia satírica bem calibrada onde não faltam toques de humor negro, surrealismo e nonsense, sendo os silêncios tão ou mais importantes que as próprias palavras: “É o meu tipo de humor. Quando conto uma piada nunca rio. Mantenho um ar sério e uso o silêncio. E ontem, depois de assistir à estreia do filme perante uma audiência, pensei logo no que quero continuar a fazer a seguir.

Em “Le Bruit Des Moteurs“ , que agora chegou ao Festival de Mannheim-Heidelberg, depois de ser premiado em La Roche-sur-Yon, seguimos as peripécias de Alexandre, um instrutor da polícia da alfândega canadiana que, depois de ser suspenso por comportamento sexual inadequado, vê-se colocado sob a vigilância de dois investigadores da polícia que tentam desvendar alguns desenhos de sexo explícito que incomodam uma pequena e caricata cidade do Québec. “A ideia surgiu-me quando fiz a recruta para agente alfandegário“, explicou-nos o realizador, apontando alguma inspiração e admiração pelo cinema do canadiano André Forcier, em particular pelos diálogos dos seus filmes, que para Grégoire são “pura poesia”. 

Le Bruit Des Moteurs“ (The Noise of Engines)

Quem é fã do cinema de Quentin Dupieux, Samuel Benchetrit e Benoit Delphine & Gustave Kervern vai certamente também gostar de “Le Bruit Des Moteurs“, cuja génese e inspiração deve muito à cidade onde o jovem viveu grande parte da sua vida. “É uma cidade onde não há nada, mas existe uma pista de automobilismo (risos). É uma pista dos anos 60 ou 70 e tinha de a filmar antes dela desaparecer. (….) Há muitas coisas no filme que vêm da minha experiência na alfândega. Por exemplo, o desprezo que a polícia em geral tem pelos agentes alfandegários, como se fossem melhores que eles. (…) Quis essencialmente falar de algo que conheço bem e me aconteceu. Trabalhar na alfândega é algo muito diferente, é um lugar único.  ” 

Outro detalhe desta comédia, especialmente nos tempos que vivemos, é o seu à vontade em satirizar alguns elementos ligados à sociedade atual, particularmente ao colocar o protagonista como suspeito de desenhos impróprios na sua cidade, e suspenso do trabalho devido ao volume de parceiras sexuais que teve durante um ano na recruta. Este tema, apesar de ser apresentado com subtileza e humor (e não propriamente com statement contra a cultura do cancelamento), poderia condicionar um autor a um exercício de auto-censura, cenário que Grégoire afasta totalmente, afirmando que essa ideia vem também de algo que avia acontecer frequentemente nas revistas: “Quando tinha 10 ou 11 anos via nas revistas que esta ou aquela pessoa dormia com a outra. Isso fazia-me confusão, pois era algo muito privado. Porque é que temos de saber isso? Essa sensação era muito estranha e queria transportá-la para o filme de alguma maneira. Se duas pessoas têm sexo e ambas querem isso, é algo que diz apenas respeito ao foro pessoal. No filme mostro como estas coisas não têm sentido, como naquela cena em que a responsável dos recursos humanos, no meio da burocracia, diz: ‘O senhor fez isto e, já agora, também descobrimos que teve 7 parceiras no último ano, o que nos leva a pensar que tem um problema.’ Não tem sentido falar disso.”

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