Domingo, 19 Maio

Claire Simon: “Desafio-me a fazer filmes impossíveis”

Habituada ao registo documental numa carreira já longa (30 anos), Claire Simon recria no seu mais recente projeto, “Vous ne désirez que moi” (Quero Falar Sobre Marguerite Duras), uma entrevista em duas partes concedida por Yann Andréa, parceiro de Marguerite Duras, a Michèle Manceaux. Um projeto muito mais complexo que se pensa que foi, já que era importante transcrever para a linguagem do cinema uma conversa entre duas pessoas, a qual poderá funcionar bem como peça jornalística editada, mas dificilmente manteria o público totalmente atento durante cerca de 90 minutos. “Desafio-me a fazer filmes impossíveis, aqueles que não existiriam se não os fizesse. E muitas vezes nem sei bem se eu os consigo fazer”, explicou-nos Simon em San Sebastián, onde o seu filme concorre à Concha de Ouro. “Especialmente em documentários, é muitas vezes impossível concretizá-los. Neste caso era mais difícil, com duas personagens a mostrar uma entrevista, pois existia um tom de teatro e isso poderia resultar em algo muito aborrecido com cabeças falantes no ecrã. A conversa é algo importante. Uma pessoa pode mudar depois de um diálogo. Então porque é que quase ninguém mostra isso no cinema? E até os poucos filmes que existem do género parecem ter medo dessa dinâmica? Eles tentam sempre mostrar mais que essa conversa. Senti-me totalmente livre pois a conversa que vimos no grande ecrã era verdadeira. Só tive de preparar a mise-en-scène, como nos documentários, pois o guião vem do próprio retratado.

Vous ne désirez que moi”, que conta no elenco com Swann Arlaud e Emmanuelle Devos, explora essencialmente a perspetiva de muitos temas ligados a Duras, apresentando relatos da relação de Yann e Duras, figura maior da cultura francesa. De companheiro de bebida a secretário particular, personagem literária e até amante inesperado de Duras, Yann, que se assume homossexual, vai falando com a jornalista Michèle Manceaux sobre vários pontos da sua existência com Duras e o amor que aí nasceu e cresceu. E Claire Simon admite que ele era o seu principal e não Duras, ainda que seja importante continuar a levar a história destas mulheres de grande valor ao cinema, pois existe uma carência de arquétipos no feminino. “Temos tantos livros escritos por homens e filmes, mas nunca falam sobre as suas vidas. Raramente falam, por exemplo, do que é para eles estarem apaixonados. Bem, talvez o façam na música. Pensei assim que este filme era o que procurava há muito tempo. Mostrar alguém a falar do seu amor por outra pessoa. Achei o texto da entrevista tão bom. Eu e todos da equipa e elenco. Naquele tempo da entrevista (anos 80), as questões de homem, mulheres, homossexualidade e a relação entre eles não eram tão fortes como agora, daí também a sua pertinência.”

“O #MeToo mudou tudo”

Para Simon, tem sido fundamental pegar em mulheres como Marguerite Duras, Delphine Seyrig e muitas outras novamente na ordem do dia, algo que certamente o #MeToo ajudou a catapultar: “Para mim foi maravilhoso ver aquelas jovens mulheres a fazerem o que sempre fiz. Mas antes desse ressurgimento, há 7 ou 8 anos eu cheguei mesmo a pensar que nunca nada iria mudar. Sempre fui uma feminista a desejar apenas e só a igualdade, mas achei mesmo num ponto que isso nunca seria conquistado. Achava mesmo que estava enganada e que seríamos sempre oprimidas, que nada mudaria. Depois aconteceu o #Me Too e foi maravilhoso. Estou muito interessada nesta nova geração.

 “Vous ne désirez que moi” chegou aos cinemas a 6’de abril.

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