Sábado, 20 Abril

O pequeno (grande) ato de Bárbara Paz em Veneza

Dois anos depois de “Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou”, a atriz e realizadora Bárbara Paz regressou a Veneza para agora apresentar a curta-metragem “Ato” na secção Orizzonti. Um retorno ao Lido já marcado pelo impacto global que a sua presença no tapete vermelho do certame, com uma máscara que evocava a problemática do desgoverno com a Amazónia, que todos chamamos de pulmão do Mundo, teve. “Foi um pequeno ato de emergência para o mundo olhar para a nossa Amazónia, para o nosso país e o seu desgoverno com um presidente que, acima de tudo, odeia a cultura”, disse-nos a cineasta numa entrevista hoje, 9 de setembro, um dia antes do seu belo filme sobre a solidão invadir as telas italianas.

Vale a pena ler as palavras de Bárbara sobre o seu filme, o futuro e a forma como todo o artista, por si só, já é um “ser político”.

A Bárbara fez as manchetes ao passear no tapete vermelho de Veneza com uma máscara de oxigénio que evocava a Amazónia. Foi um verdadeiro ato político! Acha que foi um ato importante para dar relevo à questão da Amazónia?

Sim, sem dúvida. Foi um ato, tal como se chama o meu filme. Um pequeno ato de emergência para o mundo olhar para a nossa Amazónia, para o nosso país e o seu desgoverno com um presidente que, acima de tudo, odeia a cultura. Nós, artistas, somos os vilões. A arte sobrevive e todos nós temos o direito de respirar. Todos carregamos a Amazónia em nós. A destruição que está a acontecer, principalmente devido a este desgoverno, é algo assustador e serve de alerta para o mundo. 

E em Veneza, teve consciência do impacto que esse seu ato teve globalmente?

Nunca pensei que tivesse a repercussão que teve, que foi mundial. Deu para ver como as pessoas estão muito ligadas, antenadas nesta questão. Todos os países falaram e compartilharam o que fiz. Nunca imaginei que a repercussão fosse tão grande. Não é só o Brasil que está preocupado com a Amazónia, é o Mundo. 

E em relação ao seu filme, “Ato”, como ele nasceu?

Na verdade o “Ato” é um pequeno ato, como um grito e um ensaio sobre a solidão. Sobre este momento de isolamento pandémico que vivemos no ano passado e ainda agora. Os artistas têm plateias, têm o palco. É uma mistura desta suspensão no tempo que vivemos e como vamos lidar com isto, com este medo da morte. O que vai acontecer depois disto? Estamos a viver um momento muito esquisito, muito estranho, ainda com muito medo, em que a solidão foi a protagonista. Este filme nada mais é que um ato, um grito. 

E a pandemia e a solidão transforma-a como artista? Mudou a sua forma de ver as coisas e a maneira como faz cinema?

Sim, eu acho que modificou todos nós de alguma forma. Estamos a recomeçar, como se fosse uma nova era. Para mim foi muito revelador, pois comecei a fazer trabalhos mais autorais. Comecei a fazer esta investigação sobre a solidão partindo de todo o meu diário visual que fiz, muita videoarte. Eu criei durante toda a pandemia e continuo a criar. Este filme surgiu no meio disto tudo e é também um reflexo do que eu vivi.

E este trabalho foi feito em colaboração com o Cao Guimarães. Como foi essa colaboração?

O Cao já virou um parceiro. Desde o Babenco em que trabalhamos juntos na montagem. Eu precisava de mais um parceiro de trabalho para pensarmos juntos. Este  pequeno “Ato” é uma ideia que eu tenho para uma longa-metragem que estou a desenvolver há muito tempo sobre a solidão; sobre esta mulher que cobra para dormir junto, de conchinha, sem sexo, somente para dar afecto às pessoas solitárias do mundo. Em vez de comprar a máscara, você compra o ser humano de volta. A premissa é essa. Aí, quando surgiu o convite para fazer algum trabalho, fiz este pequeno “Ato” em cima desse filme que ainda vou fazer, que se chama “Ato”. 

E qual é o estado dessa longa-metragem? Está na fase da escrita, tem as filmagens marcadas?

Ainda está na escrita, só um embrião, junto a outros roteiros que tenho. Não sei qual vai sair primeiro, pois estou trabalhando em alguns outros projetos, até para pagar as contas (risos).

A Bárbara também é atriz. Existe uma diferença entre a atriz em si e a realizadora na escolha dos projetos em que se envolve? 

Não tem mais como escapar. Adoro orquestrar e como atriz fico só no lugar da atuação. É um lugar muito importante, mas faz-me falta poder controlar tudo.

E no seu futuro, como realizadora, vai continuar a fazer filmes com uma estética muito própria, mas igualmente com uma atitude política, social e humana?

Um artista já é um ser político. Qualquer obra que vais fazer já é um ato politico. Este ato que fiz é político. Por isso, tudo o que farei no futuro vai envolver isso e vai ser sempre uma resposta ao que está a acontecer na humanidade.

E qual foi a sensação que teve quando viu o seu filme selecionado para o Festival de Veneza? 

Fiquei muito feliz porque é um projeto que nasceu no teatro. Fiquei super honrada de voltar ao festival dois anos depois do “Babenco” e de todas as situações tristes que vivemos no país. E agora estou louca para entrar na sala grande e ver o filme na telona. Vai ser algo lindo e vão passar todas as curtas juntas. 

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