Quarta-feira, 8 Maio

Uma Pequena Mentira: Julien Rappeneau, um “velho novo realizador”

“Fourmi- Uma Pequena Mentira” estreia a 24 de junho

Depois de “Rosalie Blum” e mais uma vez adaptando uma banda-desenhada [Dream Team de Mario Torrecillas, Artur Laperla], Julien Rappeneau vai levar às nossas salas “Fourmi- Uma Pequena Mentira, uma comédia dramática sobre um jovem jogador de futebol que desperta o interesse do poderoso Arsenal, mas que é rejeitado pela sua baixa estatura. Com o pai alcoólico fascinado com a perspetiva do filho ir para Inglaterra, o rapaz entra numa série de mentiras para evitar a desilusão paterna. 

François Damiens e o jovem Maleaume Paquin protagonizam este filme que chega os cinemas nacionais a 24 de junho.

Foi em Paris que nos encontrámos com Julien Rappeneau, que nos explicou o que o levou a adaptar esta BD e porque tem recusado assinar remakes de filmes originalmente filmados pelo seu pai, o famoso Jean-Paul Rappeneau, realizador de filmes como “Escândalo no Castelo” (1966), “Cyrano de Bergerac” (1990) e “Boa Viagem” (2003).

Julien Rappeneau

O Julien tem apetência para adaptar bandas-desenhadas. Depois do “Rosalie Blum” o “Fourmi”. A banda-desenhada é algo que o atrai em particular?

Sim, gosto muito de banda-desenhada, mas não sou de todo um especialista. Tem sido mais coincidência. Foi o meu encontro com essas duas bandas-desenhadas que me fez querer adaptá-las. Adorei a história da Rosalie Blum e pensei no que podia fazer com ela. Também por um acaso dei de caras com a banda-desenhada espanhola que originou o “Fourmi”. Claro que na altura pensei: “outra adaptação de BD?”. Mas esta história de um filho e do seu pai tocou-me.

É que além de realizar também escreve muitos guiões baseados em BD, como o “Largo Winch”…

A vida é muita curta e é difícil encontrar um tema com que vais viver dois ou três anos da tua vida. Mas não parti do princípio de adaptar uma BD, foi o tema que me atraiu.

Uma das coisas interessantes do filme é o “sonho” de uma criança em ir para o Arsenal, que depois de Arsene Wenger [Thierry Henry] tornou-se um clube de eleição para os gauleses partirem para Inglaterra.

Isso já estava na BD. O Arsenal é um clube mítico e, neste caso, a ida para o estrangeiro é também uma forma de recomeçar a vida noutro lado, noutro país. Mas agradou-me muito a ideia à partida de ser o Arsenal o clube dessa transição. 

E como foi trabalhar com as crianças no filme? É mais difícil?

É uma das coisas que me motivou neste trabalho, até porque é um filme que tanto diz às crianças como aos adultos. Reúne os dois mundos, mas acima de tudo gostei de mostrar as coisas pelo ponto de vista infantil. O casting levou o seu tempo e depois temos de lhes explicar o que queremos para aquele papel. O mais difícil é sempre a seleção do ator.

Fourmi- Uma Pequena Mentira

E no caso dos adultos, por exemplo a escolha do François Damiens. Era algo óbvio para si desde o início?

Sim, já durante a escrita do guião tinha-o em mente. Não o conhecia e foi um prazer trabalhar com ele. É uma personagem que navega entre a alegria e descontrole. Há algo de trágico e triste no seu olhar. É um ator muito subtil na exposição das suas emoções. 

Acima de tudo esta é uma história da relação de um pai e filho. O estudo dessa relação era o que mais o interessava?

Sim, sobretudo isso e o facto do filho observar um pai literalmente à deriva. Ele é alguém que não está bem. Gosto da ideia da criação da ficção por parte do miúdo para dar esperança real ao pai, criando uma série de repercussões. Creio que todos nós dizemos a certo ponto: “os meus pais não estão bem, o que posso fazer para mudar isso?”. Os miúdos sentem estas coisas. Simultaneamente, este filme movimenta-se entre o suspense e a comédia. Temos uma criança que mente e cuja mentira transforma-se em algo maior que ele. Em termos de cinema isso funciona muito bem.

Além do “Largo Winch”, o Julien escreveu também há uns anos o guião de um grande thriller chamado “Zulu”. Não tem interesse de um dia realizar um filme desse género?

Adoro verdadeiramente escrever argumentos desse género, o thriller de aventuras. O “Zulu” é a adaptação de um livro homónimo francês e o Jérôme Salle realizou-o de forma muito eficaz. Mas sim, porque não? Talvez um dia realize um filme desse género. 

Já trabalhou várias vezes com o Salle, será que ele o inspirou também na sua forma de filmar? 

Já trabalhei com muitos realizadores, a começar com o meu pai no “Boa Viagem”, e naturalmente aprendi com todos eles; com o Jérôme, com o meu pai e com outros. Mas os meus filmes não se parecem aos deles, faço-os sempre ao meu jeito, nas suas qualidades e defeitos. Faço sempre o que me toca.

Falando do seu pai, que fez várias obras importantes no cinema francês, esse peso do legado trouxe-lhe alguma pressão para ser bem sucedido na carreira de realizador?

Sim, sou o que chamo um “velho novo realizador” (risos). Desde pequeno que o meu pai me incentivou a não entrar no mundo do cinema. Sempre me disse que era muito difícil. Fiz os meus estudos e quando ajudei no argumento do “Boa Viagem” decidi seguir isso. Ainda demorei algum tempo até decidir ser realizador e comecei apenas aos 40 anos, o que de certa maneira já é uma idade avançada para se começar na realização. Acima de tudo tive de dizer a mim próprio que não era o meu pai e que tinha de fazer os meus próprios filmes. 

E estando nessa profissão recorre muitas vezes a ele para pedir conselhos?

Sim, temos uma ótima relação. Tenho o meu espaço para escrever os filmes, mas é sempre agradável poder trocar impressões com ele, até pela experiência que tem. Mas não sou o meu pai e não faço as coisas como ele.

E alguma vez os produtores viraram-se para si e pediram para fazer o remake de um filme do seu pai?

Já [risos]. Disse que não o faria [risos]. Teria de ver o Freud para fazer uma coisa dessas [risos]. É algo que está fora de questão para mim. Jamais iria conseguir viver com essa responsabilidade.

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