Domingo, 19 Maio

Tribeca rende-se ao cinema de género da marca Del Toro

Concebido para ser uma caça a easter eggs de “Nightmare Alley”, uma aposta nos Oscares de 2022, a Tribeca Talk de domingo, entre o ator Bradley Cooper e o cineasta Guillermo Del Toro, na série de palestras do festival nova-iorquino, acabou deixando a indústria a salivar pelas ideias mais radicais do cineasta mexicano em relação ao futuro da indústria.

Ele repetiu questões que comungou com o C7nema há dois anos, na sua passagem por Marraquexe. Vencedor do Leão de Ouro e do Oscar de melhor direção por “A Forma da Água” (2017), Del Toro não se rende a equações de mercado.

O que a indústria espera de você?

O mesmo que espera de qualquer artista: surpresa. Para surpreender, preciso estar no meu mundo e fazer o meu trabalho a partir das minhas próprias convicções. Num dos meus primeiros trabalhos nos EUA, como cineasta, “Predadores de Nova York” (Mutantesbr), feito em 1997 para os Weinstein, tive problemas. Mas aí eu fui fazer “Nas Costas do Diabo”, que tinha o espanhol Pedro Almodóvar como produtor. Um dia, perguntei para ele quem faria o corte final de “Nas Costas do Diabo” e ele riu-se: ‘Bem, és o realizador, o corte final precisa de ser o seu. Eu só dou ideias, mas a montagem definitiva precisa ser sua’. Quase chorei ao ouvir aquilo, por ser algo bem diferente do que vivi nos Estados Unidos, inicialmente. A Europa cultiva ideias singulares, sem formatação. O Pedro produzia colocando uma série de ideias na mesa, mas sem impor nada. Dava-me sempre o direito de escolher só aquelas sugestões que quisesse, por acreditar esteticamente na força delas para o bem do filme. Ele convidou-me para fazer um filme meu e não “um filme dele”. O Pedro dizia: ‘As minhas ideias são estas, o filme é teu, você decide‘. Escrevi “A forma da água” já com a Sally Hawkins na cabeça. Só poderia ser ela. E foi… o filme é nosso. Ninguém me disse “não”. Ninguém me mandou chamar outra pessoa. O segredo é a integridade.    

Em que pé ficou o filme da Liga da Justiça Dark para a DC e em que pé está sua ligação com os filmes de super-heróis?

Entreguei a minha versão de a Liga da Justiça Dark (uma versão sobrenatural do grupo formado por Super-Homem, Mulher-Maravilha & CIA. só com figuras atormentadas com conexões com o Além, como John Constantine, a feiticeira Zatanna e o Monstro do Pântano) quando comecei a fazer a animação de Pinóquio. Tipos bons, perfeitos, apolíneos, não me interessam. Cresci cercado de fábulas em que as pessoas difíceis, de perfil torto, saem numa jornada de autodescoberta. E é nisso o que acredito.

Como é que você explica o boom de realizadores mexicanos em premiações como o Oscar: teve Alejandro González Iñárritu, você e Cuarón, que foi premiado pela Academia de Hollywood por “Gravidade” e “ROMA”?

Há mais de uma década, li um verbete sobre o Cuarón escrito pelo crítico David Denby que dizia: “Alfonso é um cineasta mexicano consagrado por ‘E a tua mãe também’ que vai filmar um filme da franquia ‘Harry Potter’. Se ele sair-se bem nessa, nunca mais filmará à mexicana, pois será tragado pela indústria”. O tempo passou, Alfonso ganhou o Oscar pela realização de “Gravidade”, foi cercado por milhões dólares por todos os lados e, apesar deles, foi ao México filmar uma trama intimista, sobre uma empregada doméstica ameríndia, baseado na sua própria história com a ama. “ROMA” está aí, lindo. Ele, Alejandro e eu somos de uma geração de realizadores que teve de trabalhar em múltiplas funções no cinema, até fora de casa, para que pudéssemos fazer os nossos filmes. Alfonso fez projetos de encomenda para Hollywood, Alejandro fez publicidade e eu fiz de tudo: maquilhei, fui assistente, criei efeitos especiais. Fiz isso para que conseguisse realizar. Cada vez que um de nós conseguia filmar algo no México, vivíamos uma sensação de “esta será a última vez”. Mas seguimos em frente.     

Notícias