Domingo, 19 Maio

“Queen of Glory”, a crónica de uma certa Nova York


Consagrada no papel de Amara na série “13 Reasons Why”, a atriz Nana Mensah lança-se como realizadora no Festival de Tribeca com uma divertida crónica de costumes que pode abanar as estruturas do evento nova-iorquino: “Queen of Glory.

Abrilhantada por uma direção de arte refinadíssima, esta dramédia é um estudo sobre choque entre culturas (sobretudo na triste herança do sexismo) e uma exortação à harmonia familiar. No enredo, uma estudante de pós-doutoramento do Bronx quer deixar NY e ir para o Ohio para perseguir o amante, mas recebe a notícia de que herdou a livraria evangélica da sua mãe, uma imigrante de Gana. Ela não pode deixar a loja sem cuidar do funcionário mais querido daquele empório, um ex-condenado (interpretado por Meeko Gattuso com inteligência e humor). O roteiro constrói uma crónica sagaz de boas maneiras. A direção da fotografia apela para elementos da gramática documental, criando um ensaio realista particular sobre Nova York. Na entrevista a seguir, Nana fala ao C7nema sobre a sua Nova York.

A direção de arte de “Queen Of Glory” é exuberante, sobretudo na representação dos grupos de imigrantes africanos. A fotografia de Cybel Martin e Jason Chau é igualmente arrebatadora. Como foi elaborada essa potência plástica do filme?

Essa força plástica a que se refere vem do facto de ter crescido cercada por esse mundo de referências africanas. E como eu tenho uma experiência teatral, tentei levar a estrutura do proscénio do palco para a maneira como a câmara se esgueira pela cena, investigando cada aspecto de uma situação pouco a pouco, quase que em camadas.  

Que Bronx é esse do qual fala?

Há uma representação arquetípica muito violenta do Bronx, sempre associada à criminalidade. Eu tentei retratar um outro Bronx, longe desses arquétipos negativos, retratando uma classe média que também existe ali. Mas uma classe que é marcada por diversidade cultural.

Existe uma discussão sobre sexismo muito forte na trama, sobretudo na relação de Sarah com o pai. Como é que se dá essa relação conflituosa de gênero e nas comunidades do Gana?

O Gana é machista. Essa situação é um conflito contra o qual temos que lidar. E isso precisa estar numa narrativa que tenta buscar uma representação da vida em família. Uso uma mirada documental muitas vezes para ressaltar o realismo. Busquei meios de garantir que a vida que está ali não é a vida como eu a vejo e, sim, a vida como ela é.

A opção por uma loja de Bíblias e outros produtos evangélicos é uma forma de trazer a religião para a sua dramaturgia. É curioso ver uma loja de produtos de fé cristã numa comunidade pautada pelo multiculturalismo. Que abordagem você tentou trazer para a religiosidade?

Eu tentei cartografar aquela realidade, mas sem comentários, sem juízos de valor. A loja da fé está lá, mas não tento avaliar os bastidores históricos da religião. Muitas igrejas e templos foram construídos por escravos, numa situação de violência e o sangue deles está ali, de alguma forma. Mas não quis aprofundar esse debate, embora esteja lá.

Num universo de polifonia, onde se fala sobre tudo, a sua atuação é pontuada pelo silêncio. Como é lidar com essa dimensão silenciosa da sua atuação?

O silêncio é o lugar do conforto. É um espaço de si mesmo que só podes aceder em locais e em situações onde te sentes confortável. Tento criar esse espaço para expressar questões mais intimistas.   

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