Quinta-feira, 28 Março

Corpus Christi: ninguém é santo

Candidato ao Oscar de Melhor Filme Internacional, Corpus Christi – A Redenção afirma Jan Komasa como um cineasta a seguir atentamente

Já passaram 30 anos que Neil Jordan, numa rara incursão por terrenos da comédia, levava aos cinemas (com insucesso) Ninguém é Santo, uma história de dois condenados em fuga – Robert De Niro e Sean Penn – que para escaparem à polícia e transitarem para o Canadá assumem o papel de padres.

Agora, e inspirado numa série de casos na Polónia de falsos padres, é a vez de Jan Komasa entrar num registo semelhante, mas a proximidade da sua história à de Neil Jordan fica-se apenas pelo conceito, já que a abordagem narrativa e a própria estética de desenvoltura anímica e resolução psicológica é mais ambígua que qualquer busca simplificada pela redenção.

Na verdade, ao colocar como elemento chave do enredo uma cidade traumatizada com a morte de um grupo de adolescentes, Kamasa dá uma verdadeira guinada a um conto de iluminação pessoal de um jovem que abandona um centro de detenção juvenil e assume o papel de pároco numa pequena localidade. E tanto no protagonista – de olhos claros quase “angelicais” e pele tatuada pela vida – como nos seus iguais (e não súbditos), o cineasta encontra algo de severamente doloroso, procedendo a uma espécie de “radioterapia” espiritual que em nenhum momento cremos que vá levar a uma verdadeira cura.

Nesse aspeto, e tal como em O Futuro Radioso de Atom Egoyan, todo o filme é carregado por um semblante pesado de contenção de emoções, de autocomiseração, mas principalmente de punição, remissão e repressão. A religião é aqui apresentada como terapia, mas igualmente como escape e camuflagem beata à negritude moral entranhada, onde os sentimentos de vingança e ódio perante o alegado responsável pela tragédia são tão explícitos como os raios de sol que começam a despertar no meio de tons frios e cinza quando o nosso protagonista começa a emancipar-se e assumir a sua “nova vida“.

Nesses momentos, de dominio e controlo do seu ser e dos eventos ao seu redor, todos os frames do filme tornam-se mais brilhantes, saturados, com mais luz e cor. Mas basta um regresso ao passado e essa cor desvanece-se, mostrando uma figura encurralada por um destino do qual pretende escapar. Condenação, sacrifício e salvação são assim os elementos com que Komasa joga num terreno narrativo sem heróis e vilões definidos, sendo o final implacável e cego (refletido estilisticamente pela fotografia e som), deixando o espectador e o protagonista encadeado quanto ao futuro que lhe está reservado.

Uma nota final para a figura feminina de Martha, o elemento unificador das duas histórias que acontecem em paralelo, servindo esta como um despertar do protagonista para um novo (e diferente) trajeto pessoal, e o elemento unificador de toda a povoação; aquele que encurta as fronteiras entre vilões e vítimas. E no final fica a questão: quem é quem nessa catolagação binária?


Jorge Pereira

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