Sábado, 4 Maio

«Like Someone in Love» por Roni Nunes

Akiko (Rin Takanashi) é uma jovem e ingénua universitária vinda do interior e que se prostitui em Tóquio. Numa determinada noite, muito a contragosto, é enviada à casa de um velho professor de sociologia, Watanabe (Tadashi Okuno). Mais do que prazeres físicos, no entanto, logo se torna claro que se trata de outro tipo de carência, resultando num curioso cruzamento de fragilidades. Paralelamente, eles são assombrados pelo namorado possessivo dela, Noriaki (Ryo Kase).

A abordagem realista de Abbas Kiarostami, beirando o semidocumental, com longos closes, tempos mortos e conversas, mais longas ou curtas conforme o filme, está aqui a serviço de um poético e afetuoso tratado sobre a velhice, o desenraizamento e, principalmente, a solidão. Uma das peculiaridades que tornaram o cineasta iraniano famoso é ter grande parte das suas histórias filmadas dentro de automóveis. Neste sentido dizer que mais da metade deste Like Someone in Love foi feito desta forma não parece sugerir algo muito auspicioso. Na verdade, é precisamente o contrário: apesar de já ter explorado esse recurso em praticamente toda a sua filmografia, não deixa de ser incrível os efeitos que o realizador consegue obter desta forma.

Há, por exemplo, um passeio de dez minutos no primeiro terço do filme que constitui uma sequência extraordinária. No trajeto que a jovem prostituta faz para o seu destino, vai recebendo mensagens no gravador de voz, onde a avó vai-lhe dando pontos de situação de sua estadia de um único dia na capital, onde gostaria de encontrar a neta. Apenas com a voz da senhora, as mensagens no telemóvel, longos closes da jovem e uma paisagem exterior indiferente, o efeito é uma sequência de grande poder emocional – com uma enorme quantidade de informações passadas com recursos mínimos.

Basta a voz frágil e afetuosa da avó, por exemplo, para dar a conhecer a existência pregressa inteira de Akiko, a simplicidade da vida do interior, o desenraizamento desesperado, as fortes origens familiares e, chegando ao seu presente, a consciência da perda da inocência e de viver num presente indigno. No fim do passeio, nunca um carro a andar às voltas numa rotunda há te ter expresso tamanho turbilhão de sentimentos. Numa outra cena igualmente simples, expressiva e bela, o velhote adormece diante do semáforo – cujo longo plano oferece toda uma panóplia de sensações sobre a delicadeza e a debilidade da velhice.

Em Like Someone in Love, nome extraído de um standard do jazz, aqui interpretado por Ella Fitzgerald, Kiarostami faz o seu segundo filme fora do Irão, ao mesmo tempo que vai se afastando das temáticas de cunho social que marcaram obras como Close Up ou O Sabor da Cereja para investir em temas mais universais. A operar sempre com recursos mínimos, a única dificuldade relevante do filme é não concentrar o nível de intensidade e interesse sempre no mesmo patamar.

O Melhor: várias sequências de grande poesia e emoção
O Pior: alguns momentos redundantes


Roni Nunes

Notícias