Quinta-feira, 9 Maio

Sessões na Cinemateca – Escolhas de 21 a 26 de março

Em colaboração com a MONSTRA, já na sua 22ª edição, a Cinemateca apresenta esta semana um programa de cinema de animação em cinco sessões. A programação do festival presta tributo ao cinema da Bulgária, país tema desta edição, com sessões que apresentam uma seleção de curtas-metragens históricas realizadas pelos maiores mestres do cinema de animação búlgaro e dois documentários sobre dois deles (Todor Dinov e Ivan Vesselinov). Mas o grande destaque é talvez a oportunidade de vermos obras de dois dos mais importantes precursores do cinema de animação, Émile Reynaud e Émile Cohl, numa sessão que recomendamos nas nossas escolhas semanais.

Entretanto prossegue o ciclo “Susan Sontag – Imagens de Pensamento”, que através de vinte filmes tem como principal objetivo dar a conhecer a quase desconhecida obra cinematográfica da célebre escritora e filósofa norte-americana Susan Sontag (1933-2004). Sontag realizou apenas quatro filmes, mas, vertendo o seu pensamento em imagens e estas em pensamento, foi cineasta-antes-de-o-ser quando escreveu sobre os realizadores e filmes que admirava. Neste ciclo inclui-se um conjunto de filmes representativos de aspetos importantes do pensamento plural, sensível e imprevisível de Sontag, incluindo ainda algumas das suas preferências cinéfilas mais incontornáveis, tal como as manifestou em textos críticos sobre filmes ou realizadores. Através de uma mistura original de obras canónicas, de ficção e de documentário, com obras obscuras, série B ou underground, expõem-se linhas do seu pensamento filosófico, dando-se, assim, conta do seu grande ecletismo e impressionante plasticidade. Destacamos agora mais dois filmes deste ciclo.

Finalmente, o programa “Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo” é o principal foco desta semana. Pollet (1936-2004) é um dos autores mais originais e livres da sua geração, a mesma de François Truffaut, Claude Chabrol ou Jean-Luc Godard, o grupo da Nouvelle Vague de que fez parte. Conhecido maioritariamente pelos seus trabalhos mais ensaísticos, a obra de Pollet permanece ainda hoje um segredo por revelar, muito particularmente as primeiras ficções. A Cinemateca dedica-lhe este mês uma retrospetiva integral que percorre os dois ramos do seu trabalho: a via da ficção e do realismo burlesco presente num conjunto de filmes mais narrativos, e a via do cinema ensaístico em que a montagem se assume como uma linguagem poética. Um dos autores mais singulares do cinema francês da segunda metade do século XX que merece maior destaque, aqui numa amostra de três sessões que sugerimos descobrir.

Estas são as nossas sugestões para as sessões a decorrer na semana de 21 a 26 de março:

12 curtas-metragens (1877-1910) – Segunda-feira, 21 de março, 19h00, Sala M. Félix Ribeiro, com acompanhamento ao piano por Jacques Cambra. Esta sessão é composta por curtas-metragens de Émile Reynaud e Émile Cohl, dois dos pioneiros do cinema de animação. A obra de Émile Reynaud remonta aos tempos pré-cinematográficos. Reynaud foi o responsável pelas primeiras exibições de imagens animadas, as Pantomimes Lumineuses, que manipulava com o seu Théâtre Optique, aparelho que projetava as imagens através de uma série de espelhos. Ilustrador e animador, Émile Cohl ficou conhecido como o “pai” do desenho animado cinematográfico. Fantasmagorie é o primeiro filme completamente animado, servindo-se da técnica do stop-motion para criar uma bizarra narrativa de transformações e metamorfoses em jeito de fluxo de consciência.

Europa ’51 (1952) – Quarta-feira, 23 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro. Momento absolutamente central na obra de Roberto Rossellini, prolongando o abismo metafísico, habitado pela dúvida, de outros filmes do cineasta com Ingrid Bergman, Europa ‘51 é a obra mais austera de Rossellini. A história de uma mulher (grande personagem feminina) que, depois da morte do filho, se entrega a uma ideia de santidade e à sua aplicação prática, contra o “mundo moderno”, que confunde “santidade” com “loucura” e a leva ao hospício. Susan Sontag viria a subscrever, no célebre artigo The Decay of Cinema, o que declara uma personagem no filme Prima Della Rivoluzione de Bertolucci: “Não se consegue viver sem Rossellini!”. Por isso, no dia 28 de março, segunda-feira, haverá uma segunda oportunidade para assistir a esta obra, às 21h30 na Sala M. Félix Ribeiro.

Westfront 1918: Vier von Infanterie (Quatro da Infantaria, 1930) – Quinta-feira, 24 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro. Primeiro filme da chamada “trilogia social” filmada por G. W. Pabst, iniciando-se no território do cinema sonoro, no começo da década de trinta. A obra é uma “denúncia” sobre a tragédia da Primeira Guerra Mundial e narra, num tom que procura ser “documental”, alguns episódios da vida, e morte, de quatro soldados alemães de infantaria metidos numa trincheira em território francês. A mensagem política é poderosíssima neste filme realizado a pouco tempo da subida ao poder do Partido Nacional Socialista. O caso de Pabst, cineasta acusado de ter colaborado com o regime nazi, sob os auspícios do qual realizou dois filmes, é citado por Susan Sontag, brevemente, num artigo dedicado a Leni Riefenstahl intitulado Fascinating Fascism.

Tu Imagines Robinson (1967) – Quinta-feira, 24 de março, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro. Livremente inspirado no clássico de Daniel Defoe, em que Robinson Crusoé é deixado sozinho à sua sorte, Tu Imagines Robinson radica na releitura do mito e no registo de uma aventura depurada ao máximo, assente na documentação dos pequenos gestos do seu quotidiano com vista à abstração. Um homem literalmente isolado e cercado por seres que resultam da sua imaginação é o ponto de partida para a exploração de questões caras a Jean-Daniel Pollet, como o regresso às origens, a ideia de uma ilha, a solidão. Mas como tanto cinema moderno, esta obra é em última instância sobre o próprio cinema.

L’Acrobate (1975) – Sexta-feira, 25 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro. Quinto e último filme do par Jean-Daniel Pollet/Claude Melki em que este último descobre o tango, aprendendo os primeiros passos com uma prostituta por quem se apaixona. Melki é invariavelmente Léon, personagem-tipo que rima com a recorrência dos grandes mestres do burlesco. Por detrás da sua personagem insondável esconde-se a ternura, o humor e o talento de um realizador para quem os mais pequenos gestos ganham uma dimensão inaudita. Como escreveu Stéphane Bouquet, “L’Acrobate conta a história desse homem desajeitado que, com a ajuda de Fumée, aprenderá mover-se de forma diferente: corpo fluido, gestos fluidos, espaço dominado – e, finalmente, fará amor. A felicidade é, portanto, com Pollet, a saída da solidão, a chegada do dois, do casal”. O filme voltará a ser exibido na quinta-feira, 31 de março, às 21h30.

Dieu Sait Quoi (1993) – Sábado, 26 de março, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro. Diretamente inspirado na poesia de Francis Ponge, em Dieu Sait Quoi Jean-Daniel Pollet procura penetrar no “mundo mudo” de que fala um escritor obcecado com os objetos e com as relações entre as palavras e as coisas. Propõe-se assim a “contar a história de Ponge a partir dos objetos de Ponge.” Assumindo a intensidade deste produtivo diálogo, o filme é também o corolário do cinema de Pollet, convocando para o seu interior imagens que o cineasta realizou trinta anos antes e a continuidade de um projeto assente na procura de “planos-signos” que visava uma abstração essencial. A natureza, as pedras ou o mar, mas também as quatro estações do ano, conquistam aqui uma “qualidade de presença” única. A sessão repetir-se-á na quinta-feira, 31 de março, pelas 19h30 na Sala Luís de Pina.

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