Quinta-feira, 9 Maio

Sessões na Cinemateca – Escolhas de 14 a 19 de março

Esta semana prossegue o ciclo “Susan Sontag – Imagens de Pensamento”, que através de vinte filmes tem como principal objetivo dar a conhecer a quase desconhecida obra cinematográfica da célebre escritora e filósofa norte-americana Susan Sontag (1933-2004). Sontag realizou apenas quatro filmes, mas, vertendo o seu pensamento em imagens e estas em pensamento, foi cineasta-antes-de-o-ser quando escreveu sobre os realizadores e filmes que admirava. Advogava uma estética minimal, silenciosa, sensível à “superfície” da forma e facilitadora de uma nova postura crítica que postulou no seu ensaio «Contra a Interpretação», designadamente apelando a uma erótica, ao invés de uma hermenêutica, da imagem. Neste ciclo inclui-se um conjunto de filmes representativos de aspetos importantes do pensamento plural, sensível e imprevisível de Sontag, incluindo ainda algumas das suas preferências cinéfilas mais incontornáveis, tal como as manifestou em textos críticos sobre filmes ou realizadores. Através de uma mistura original de obras canónicas, de ficção e de documentário, com obras obscuras, série B ou underground, expõem-se linhas do seu pensamento filosófico, dando-se, assim, conta do seu grande ecletismo e impressionante plasticidade. Esta semana há quatro obras-primas a não perder neste ciclo.

Igualmente imperdível é o programa “Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo”. Pollet (1936-2004) é um dos autores mais originais e livres da sua geração, a mesma de François Truffaut, Claude Chabrol ou Jean-Luc Godard, o grupo da Nouvelle Vague de que fez parte. Conhecido maioritariamente pelos seus trabalhos mais ensaísticos, que destacamos na programação desta semana, a obra de Pollet permanece ainda hoje um segredo por revelar, muito particularmente as primeiras ficções. A Cinemateca dedica-lhe este mês uma retrospetiva integral que percorre os dois ramos do seu trabalho: a via da ficção e do realismo burlesco presente num conjunto de filmes mais narrativos, e a via do cinema ensaístico em que a montagem se assume como uma linguagem poética. Um dos autores mais singulares do cinema francês da segunda metade do século XX que merece maior destaque.

Finalmente, recomendamos ainda a sessão dupla da rubrica “Double Bill”.

Estas são as nossas sugestões para as sessões a decorrer na semana de 14 a 19 de março:

Au Hasard Balthazar (Peregrinação Exemplar, 1966) – Terça-feira, 15 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro. Uma fábula construída em torno de um burro que vagueia de dono em dono. O cinema de Robert Bresson estava, por esta altura, no máximo do seu despojamento, num misto de simplicidade e gravidade formais. As deambulações do burro Balthazar exprimem uma figura capital no universo do cineasta: o acaso. Através dos seus sucessivos donos, é a Humanidade que Bresson encena, num filme de uma beleza sublime. No texto O estilo espiritual nos filmes de Robert Bresson, Susan Sontag exorta o leitor a “compreender a estética – ou seja, descobrir a beleza – da frieza [do cinema de Bresson]”, ajudando-nos a perceber que, em filmes com esta economia estilística, “[t]udo o que não é necessário, tudo o que é meramente acidental ou decorativo, deve ser posto de parte”.

Gertrud (1964) – Terça-feira, 15 de março, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro // Sexta-feira, 18 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro. Gertrud assume a “total solidão em nome do amor”. O último filme de Carl Th. Dreyer é aquele em que o cinema (como essa mulher, Gertrud), de forma única e irrepetível, parece paralisar, cristalizar, deixando no interior das suas imagens todo o movimento, a força e o fogo da palavra. Tão absoluto que só apetece dizer: “este sim, é o mais belo filme de todos os tempos”. Susan Sontag considerou-o “anacronicamente ousado”, sendo muito evidentes as repercussões deste filme – e da respetiva escrita “grau zero” – na sua obra de estreia enquanto realizadora (Duett För Kannibaler).

Voskhozhdenie (Ascensão, 1977) – Quarta-feira, 16 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro. Larissa Chepitko pertence a uma das mais importantes gerações do cinema soviético, formada durante os anos sessenta, a mesma de Nikita Mikhalkov, Andrei Konchalovsky, e Andrei Tarkovsky. Ascensão, o seu último filme (morreu precocemente num desastre de automóvel), obteve o Urso de Ouro no Festival de Berlim. Filmada a preto e branco, em grande parte no inverno, esta obra severa e poderosa tem lugar durante a Segunda Guerra Mundial. Mas, longe do hieratismo convencional dos inúmeros filmes soviéticos sobre o tema, a realizadora concentra-se em duas personagens, conseguindo o prodígio de fazer uma obra profundamente interiorizada. Um filme terrível e magnífico, ao qual não foi insensível Susan Sontag, tendo-o considerado “o mais perturbante filme sobre a guerra que conheço”.

In einem Jahr mit 13 Monden (O Ano das Treze Luas, 1978) – Quinta-feira, 17 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro // Sábado, 19 de março, 19h30, Sala Luís de Pina. Um dos filmes mais importantes e pessoais do período final de Rainer Werner Fassbinder, que, além de o realizar e de escrever o argumento, foi o operador de câmara, o montador e concebeu os cenários. Esta história dos últimos dias da vida de uma mulher transgénero, que fez uma operação para mudar de sexo por amor a um especulador imobiliário, talvez seja o filme mais desprovido de esperança e, entre todos os que Fassbinder fez, aquele em que “o amor é mais frio do que a morte”. Susan Sontag era uma entusiasta do cinema de Fassbinder, tendo comentado: “Há outro filme [de Fassbinder] que eu amo, In einem Jahr mit 13 Monden, um filme (…) sobre o sentimento não motivado, sobre o amor não motivado.”

The Southerner (Semente de Ódio, 1945) & Killer Of Sheep (1977) – Sábado, 19 de março, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro. The Southerner é um dos mais belos filmes de Renoir e um dos mais duros, história de uma família de agricultores do Sul dos EUA, a difícil luta pela sobrevivência nos anos trinta, a solidariedade de grupo e o combate contra os elementos, com uma famosa sequência, a do tornado. O realizador descreve na sua autobiografia: “O que me seduziu nesta história é precisamente o facto de não ter história. É uma série de impressões fortes: a imensidão da paisagem, a pureza dos sentimentos do herói, o calor, a fome”. Killer Of Sheep, a primeira longa-metragem de Charles Burnett, foi rodado perto da sua casa de família no bairro de Watts, gueto negro de Los Angeles, em vários fins de semana, com um elenco maioritariamente amador e um pequeno orçamento. O quotidiano de uma família cujo pai trabalha num matadouro e sofre de depressão foi filmado num preto e branco granuloso e câmara à mão. As relações entre os dois filmes, povoados por uma galeria de tipos humanos inesquecíveis, são muitas, sendo The Southerner uma referência incontornável para Burnett.

Bassae (1964) & Méditerranée (1963) – Quinta-feira, 17 de março, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro. Méditerranée assinala um segundo começo na obra de Jean-Daniel Pollet. Ao lado dos seus filmes “narrativos” ficcionais, em 1963 surge este conhecido ensaio cinematográfico que marca a bifurcação da sua obra. Um périplo em torno da bacia do Mediterrâneo que culmina numa reflexão sobre a cultura e o pensamento, sobre “aquele instante fabuloso em que os homens, em vez de tentarem conquistar o mundo, se sentiram solidários com ele, solidários com a luz refletida e não enviada pelos deuses, solidários com o sol, solidários com o mar” (Jean-Luc Godard). Pollet afirma ter “recusado fazer um documentário”, realizando antes uma viagem subjetiva cujas imagens correspondem a planos-signos que conquistam o seu lugar na montagem. Prolongando de alguma forma Méditerranée, em Bassae Pollet filma as ruínas do templo de Bassae, o último erigido por Ictinos, o arquitecto do Partenon, nas montanhas do Peloponeso. Uma pequena exploração conduzida por um texto de Alexandre Astruc que nos convida a refletir sobre o nosso papel no universo. No dia 28 de março, segunda-feira, a sessão repetir-se-á pelas 19h30 na Sala Luís de Pina.

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