Sexta-feira, 26 Abril

Deus existe e é um homem! (ou não)

O filme marcará a abertura da 7ª edição do Olhares do Mediterrâneo – Womens Film Festival

Desculpem a emoção”, disse a cineasta da Macedónia, Teona Strugar Mitevska, na conferência de imprensa que sucedeu ao visionamento no Festival de Sevilha do seu “Deus Existe, O Seu Nome é Petrunija“.

A realizadora refere-se à história real que inspirou o filme que, conforme conta, teve um fim menos auspicioso do que o da sua anti-heroína. 

O filme conta a história da personagem-título, vivida por Zorica Nusheva, uma desempregada de 32 anos, formada em História e a viver numa pequena cidade da Macedónia. Importunada pela mãe para arranjar trabalho, quando regressa da entrevista atira-se fortuitamente para o rio onde se desenrolava uma cerimónia religiosa vedada à participação feminina e na qual os homens mergulhavam numa competição para chegar primeira à uma cruz lançada da ponte pelo patriarca local. O facto de ter sido Petrunja e não um deles a chegar primeiro à cruz, acaba por ter enormes consequências para ela e para a comunidade local.

O enredo foi baseado numa história real ocorrida no país em 2009 e, segundo Mitevska, a principal razão para transformá-la num filme foi a mínima comoção que a vinda a público dos acontecimentos suscitou. “Foi mais como uma anedota, ‘uma mulher atirou-se para a água’, que engraçado!“, lamenta. A situação também é espelhada no filme, onde uma jornalista (Labina Mitevska, irmã da cineasta) tenta acompanhar o caso e é sucessivamente boicotada pelo seu editor.

O maior acerto do filme foi Mitevska ter criada uma mulher simples e comum em vez de uma super-heroína munida de uma inquebrável convicção. Segunda revela, essa foi uma das discussões que envolveram a construção da personagem. A opção final faz a grande graça da história ao dar a Petrunja uma dimensão muito mais universal, de um ser humano que, subitamente, começa a compreender o que acabou de fazer e no que isso pode significar para sua própria libertação das normas impostas pela sociedade.

Ostracismo e exílio

Resultado de imagem para god exists her name is petrunya c7nema

A maior parte da história aqui passa-se na esquadra onde Petrunja não é, afinal, destituída totalmente dos seus direitos jurídicos, ou ameaçada fisicamente – isso se excetuarmos um bando de “hooligans” fanáticos que querem linchá-la e acabam por ser presos. Se a Macedónia parece a “Idade Média”, como acusa uma das personagens, certamente já não é a dos tempos do núcleo duro do patriarcado.

Mas no mundo lá fora, foi mais complicado. A história real, que ainda emociona a realizadora, aparentemente correu menos bem: depois de apanhar a cruz por ter nadado mais velozmente que os homens, a mulher foi completamente ostracizada na comunidade, teve de abandonar o país e atualmente vive em Londres.

Mais otimista é a relação da realizadora sobre o audiovisual na Macedónia: “Quando comecei a fazer filmes, em 2001, era a única mulher e certamente tive que enfrentar imensos preconceitos. Hoje somos cinco. As coisas estão a mudar. Não são perfeitas, é uma luta constante, mas estão melhores“.

Já para a sua atriz principal, a sorte é menos favorável. Com um aspecto físico que certamente não se enquadra em padrões procurados para heroínas cinematográficas, Zorica Nusheva nunca tinha feito um filme antes e, mesmo com o sucesso, ainda não voltou a fazer outro. “Ela é uma jóia! Levamos oito meses de ensaios, foi muito duro, mas ela conseguiu uma atuação minimalista, uma verdadeira sinfonia de representação. É triste que não se compreenda a beleza da diferença.”

“Deus existe e é um homem!”

Outro factor quase anedótico diz respeito à pré-produção. Conforme conta a realizadora, nos primeiros tempos ninguém na cidade queria ouvir falar do projeto e disseram coisas como: “olha, por que não vão filmar em outro lugar” ou, melhor ainda, vinda do chefe religioso, “não participo porque Deus existe e é um homem!“. Daí saiu, certamente, o título do filme. Mas tudo acabou bem: até o final das filmagens, metade dos habitantes da localidade estava envolvida de alguma forma na rodagem.

(Texto publicado originalmente em novembro de 2019)

Notícias