Diz David Thomson de Robert Zemeckis (Regresso ao Futuro, Quem Tramou Roger Rabbit?, Forrest Gump) em The New Biographical Dictionary of Film que “nenhum outro realizador contemporâneo serviu-se de efeitos especiais para propósitos tão dramáticos e narrativos“. É bem capaz de ter razão. O último filme do “protégée” de Steven Spielbeg é entretenimento sincero e de uma competência que se tornou, infelizmente, rara no mainstream americano, não se fiando num amontoado de planos sisudos estancados numa montagem frenética, nem dos ditos “efeitos” para meras explosões e demonstrações de super-poderes. Ao invés, Zemeckis serve-se inteligentemente da profundidade de campo, de planos subjetivos e de uma reconstituição fidedigna do World Trade Center, para autenticar cinematograficamente o feito de Philippe Petit, artista francês para sempre imortalizado como “o homem no arame” (título do aclamado, embora estruturalmente televisivo, documentário que foi feito a década passada) que em 1974, clandestinamente, atravessou os telhados das torres gémeas sobre uma corda e sem cabos de segurança.
Seguindo a estrutura comum do “biopic”, ou seja, a personagem a relatar a sua vida, num extenso “flashback”, The Walk – O Desafio não toma o seu retratado como um santo ou um indivíduo domado por um talento sobrenatural, mas como um sonhador dedicado (como sonho é, aliás, aquela Paris a preto-e-branco do princípio, domada por Pierrots falsos e artistas de rua de variados calibres), disposto a trabalhar durante vários anos por um objetivo que possa representar a dedicação e o amor por uma causa. Não por acaso, o argumento baseado na autobiografia de Petit dedica-se aos materiais arranjados, esquemas feitos e cúmplices seduzidos durante meses, expostos em planos médios que devem muito ao classicismo de Hollywood, como um autêntico “heist film”. Saliente-se, aliás, que a ligação de cenas é feita muitas vezes através de objetos relacionados com o golpe, como caixas ou maquetes, criando um caminho inevitável e coerente até ao vertiginoso clímax.
E, por isso, o filme é fruto de um cineasta ambicioso e criativo, que, tal como Homem no Arame não olha para as torres gémeas como vítimas de um dos maiores atos de terrorismo que a civilização tem memória (tirando, talvez, no derradeiro plano, que permite com que o filme não recaia num final feliz vulgar, como o demonstra a cena com a separação definitiva de Petit e a mulher), mas antes como portadores de um grande evento artístico, tão notável quanto simbólico. The Walk não tem medo de alturas, mesmo que a audiência seja a maior das suas vertigens.
O melhor: O entretenimento sincero e competente.
O pior: Muitos poderão achar que não vale a pena ver devido ao documentário já feito.
Duarte Mata