Sábado, 18 Maio

Marriage Story: divórcio, dor e crueldade

Noah Baumbach entrega aos seus atores e espectadores um drama doloroso sobre o final de uma relação”

Com elementos inspirados no seu próprio divórcio com a atriz Jennifer Jason Leigh, com quem viveu 8 anos (2005 – 2013),  e uma assumida influência da Persona de Bergman (nos rostos, espaços e planos), Noah Baumbach entrega aos seus atores e espectadores um drama doloroso sobre o final de uma relação, o início de um processo de divórcio, mas não o término de um amor e de uma ligação invariavelmente única quando pelo meio existe um filho.

E não era preciso chegar à fase do divórcio para sabermos que os conflitos entre os casais caem diversas vezes nos extremos e revelam o que de mais horrível, egoísta e cruel existe em cada um dos membros. Isso mesmo vê-se numa das cenas chave (e mais impressionantes do cinema recente), quando sem os filtros apaziguadores que a separação exigia, Driver e Johansson discutem fervorosamente a uma velocidade trepidante, um verdadeiro culminar explosivo de um processo que começou exatamente com eles a escreverem numa folha aquilo que mais gostavam um no outro, aquilo que supostamente os fez casarem.

Aliás, Driver e Johansson são forças maiores desta peça dolorosamente bem ensaiada (um dos melhores filmes de Baumbach), com textos sofridos com um toque inevitável de absurdismo. E desde cedo a dupla de atores convence-nos do seu relacionamento, limitando as suas figuras entre sorrisos tímidos, tristezas abruptas e lágrimas pungentes, tudo envolvido numa permanente cápsula de constrangimento e estranheza, mas também de perseverança à medida que o processo avança e os quentes debates entre advogados e eles se acumulam. É neste último ponto que entram em cena os secundários de luxo, a começar pelo jovem Azhy Robertson, apanhado no meio da guerrilha e ameaçado constantemente como um dano colateral do conflito; mas também uma soberba Laura Dern (com um toque do carácter da sua personagem em Big Little Lies); um Ray Liotta como não víamos há anos: e ainda um Alan Alda, fisicamente desgastado (reparem nas mãos), mas que surge aqui como a figura que humaniza toda uma discussão mecanizada e impessoal entre normas, procedimentos e acusações.

E por falar em procedimentos, há também uma crítica ao sistema, às burocracias, timings, e disparidades entre estados norte-americanos, uma colisão de mundos – Nova Iorque vs Los Angeles – que reflete metaforicamente os dois lados do casal: ele um realizador da costa leste, ela uma atriz da costa oeste. E se Nova Iorque é barulhenta e mais sombria, como Driver, L.A. é solarenga e luminosa como Johansson. O “espaço” é um elemento por aqui extremamente representativo do próprio estado mental das personagens, com a L.A a oferecer a Johansson “o espaço” para alargar horizontes, em oposição ao circuito fechado , de maior proximidade (fazem-se os caminhos todos a pé) que NY representa.

Outro detalhe curioso e um puro simbolismo é aquele pormenor do ligar e desligar a luz, um reflexo que se podia atribuir à atriz, que no início da carreira iluminou o marido/encenador, mas que se foi apagando enquanto ele ganhava foco, prestígio e “atração”. É que no casamento dos dois, houve um que cresceu, enquanto o outro retraiu-se. Ou será que não é bem assim?

São estas ambiguidades nas sensações, nas dúvidas, nos duplos sentidos, bem conduzidos por atores guiados por um texto corajoso, que fazem de Marriage Story um filme essencial esta temporada.

Jorge Pereira

Notícias