Sexta-feira, 29 Março

‘Uncle Frank’: Alan Ball e a estética do silêncio

Vencedor do Emmy pela série “Sete Palmos de Terra”, em 2002, e do Oscar de melhor argumento original por “Beleza Americana”, em 2000, Alan Ball, americano de Atlanta, na Georgia, com 63 anos de vida e 26 de carreira na indústria audiovisual, é uma das cabeças mais disputadas da dramaturgia de língua inglesa pela sua habilidade em extrair o sumo da ironia das palavras mais corriqueiras.

Mas há palavras muito amargas em “Uncle Frank”, o seu novo trabalho como autor e realizador, já disponível na Amazon Prime. Paul Bettany (o albino Silas de “O Código Da Vinci”) tem o seu mais radiante desempenho nesta longa-metragem, que iniciou a sua trajetória por telas indies, via Sundance, em janeiro.

Alan Ball

Premiado pelo júri popular do Festival de Deauville, em França, em setembro, a produção recria os EUA da década de 1970 pelos olhos da jovem estudante Beth Bledsoe, papel de Sophia Lillis (de “It”). A arena escolhida para as transformações dela é a Nova York dos anos 1970. Em meio às descobertas da adolescência e de um primeiro namoro, ela deixa a sua cidade, numa conservadora Carolina do Sul, e vai visitar o seu amado tio, Frank (Bettany, em sólida atuação) em Manhattan, onde ele é um respeitado professor.

Ao chegar ao apartamento dele, esperando encontrar uma “tia” ( ele disse à família estar casado com uma mulher), Beth esbarra com o libanês Walid, ou, para os íntimos, Wally (papel de Peter Macdissi), e percebe que ele é o companheiro de Frank. Ali entram em xeque os preconceitos que a menina foi educada a ter.

Ball, que realizou o seu primeiro filme (“Tabu”) em 2007, regressa à direção promovendo um debate sobre os remorsos, indo além das inquietações de Beth. Na trama, Frank precisa levar a jovem de regresso à Carolina do Sul, isto depois do pai, o intolerante Mac (Stephen Root), morrer. Eles precisam ir ao funeral, mas Wally insiste em ir também, ainda que precise fazer-se passar por um amigo do seu marido e evitar ainda mais ódio. Na estrada, Frank vai revisitar uma mancha da sua mocidade: o facto de o pai tê-lo apanhado com um namorado, e ter tratado a descoberta com uma resposta violenta, mas velada.

O facto de Bettany estar no elenco do aguardado “WandaVision”, da Disney+, no papel do super-herói sintético Visão, só aumenta o interesse por “Uncle Frank”. Na pequena conversa a seguir, Ball conta ao C7nema como foi a construção desta saga contra rancores homofóbicos históricos.

É impossível ver a saga dos Bledsoe sem pensar no cinema de Hal Ashby (1929-1988) e em “Bem-Vindo Mr. Chance” (“Muito Além Do Jardim”, no Brasil) por uma temperatura de afeto medida pelo termómetro da brandura. Mas falar de Ashby é falar do cinema americano dos anos 1970. O quanto foi ele um farol para a sua reconstituição daquela década?

Queríamos uma narrativa que parecesse ter sido feita nos anos 1970, com aquela forma de movimentação de câmara que foi conquistada pelo trabalho do nosso diretor de fotografia, Khalid Mohtaseb. Ele trabalhou com lentes antigas, que reproduziam o visual do cinema dos anos 1970.  

Você tem uma história longa como argumentista e sempre fez da palavra um veio de expressão. Mas existe um silêncio recorrente em “Uncle Frank”. Quando é que o silêncio se torna cinema?

Este silêncio do filme passa por uma baliza específica: a repressão. Existem pessoas que não podem assumir quem são, ao mesmo tempo tens um homem obrigado a esconder o seu passado por arrastar nele um sentimento de culpa. Frank é alguém que se vê no epicentro da morte do pai, arrastando uma responsabilidade por atos que necessariamente não realizou.

Repressão ganha que sentido no mundo das redes sociais em que o seu filme se desenrola?

Ela está aí, é presente, mas é diferente do que havia no mundo retratado na década de 1970 do meu filme. Hoje as pessoas falam e mostram. Hoje todos se expressam.

Isso pode criar um senso de coletivo, mas o seu filme fala de solidão. O que torna o Tio Frank uma figura solitária?

O silêncio. Ele guarda silenciosamente o peso do pai repressor e o fardo que sente da morte dele.

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