Sexta-feira, 19 Abril

‘Mulher Oceano’, o mergulho de Djin Sganzerla

Vencedor do Porto Femme em 2020, "Mulher Oceano" chega aos cinemas nacionais a 25 de agosto

Risco, o seu nome é Djin; o seu sobrenome: Sganzerla; o seu desafio: firma-se como realizadora. Nas duas últimas décadas, pouquíssimas atrizes nas Américas encarnaram tanto (e tão bem) a essência da ousadia do cinema de autor de risco estético quanto a herdeira do legado de “O Bandido da Luz Vermelho” (1968) – um dos pilares da excelência do Brasil nos ecrãs -, realizado pelo seu pai, Rogério Sganzerla (1946-2004), tendo como atriz principal a sua mãe, Helena Ignez, hoje também realizadora. A sua irmã, Sinai, também filma, tendo assinado documentários de prestígio como “O Desmonte do Monte” (2018). Agora é a vez de Djin (premiada com o troféu Candango de melhor ator secundário em Brasília, em 2007, pela sua memorável atuação em “Falsa Loura”) construir a sua própria mística por trás das câmaras. Mas sem sair da frente delas. Ela faz os dois papéis principais de “Mulher Oceano”, a sua estreia como cineasta, que ganhou prémio de melhor filme internacional no Porto Femme International Festival, em Portugal, em 2020.

Coautora do roteiro com Vana Medeiros, Djin interpreta as duas protagonistas, Hannah e Ana, ambas ligadas pelo mar. A primeira, escritora e mulher de um diplomata (interpretado por Gustavo Falcão), acaba de se mudar para Tóquio, e enfrenta um bloqueio criativo. A outra, funcionária de um banco de investimentos, é nadadora, treinada por Rogério (Rafael Zulu). Ela é praticante de travessia oceânica, e prepara-se para atravessar a nado 35 km do Leme ao Pontal da Barra. São mulheres que estão em busca da sua verdadeira essência. E é sobre essa dimensão essencial que Djin fala na entrevista a seguir ao C7nema, que visitou um dos locais das filmagens, em Botafogo, no Rio de Janeiro.

As mulheres do seu filme, em interseção e justaposição, simbolizam que dimensões da condição feminina?

 “Mulher Oceano” é um filme feminino. Ele trata das subtilezas da alma, da essência do ser. Trata do que está oculto, não revelado em nós, de forças da natureza que não explicamos, dos mistérios, dos sonhos que estão no plano inconsciente. E também retrata aspetos da força, da busca por uma transformação, da alegria, da delicadeza que está contida na força. Busquei esta nuance de cores no filme. “Mulher Oceano” toca nestes estados subtis da alma, que considero característicos do feminino. As personagens do filme são mulheres que estão em busca da sua verdadeira essência, em busca deste mergulho na própria existência. Estão em busca de algo perdido ou talvez de algo que ainda não encontraram. A personagem Ana, por exemplo, tem essa ligação visceral com o mar, que não consegue compreender, não há distinção entre ela e o mar, estranhamente se tornam um corpo único, uma única força.O filme utiliza como elemento central a força do feminino. A liberdade talvez seja um dos elementos mais fortes.

Que grau de protagonismo o Tempo tem nesse filme? De que modo ele, o Tempo, pode aparecer também como personagem nessa tua primeira longa metragem?

O Tempo está presente no filme de forma indireta. Há o Tempo de maturação da vida da personagem Hannah: ela só consegue dar este salto, ir ao encontro desse desejo desconhecido, após atravessar um processo de transformação em sua vida e nos seus relacionamentos, na maturidade. Para Ana, o tempo existe como sentido de urgência, um chamado do mar, incompreensível e intenso. E há o meu próprio tempo, de minha maturidade como mulher e artista. O Tempo é uma entidade, temos que saber usa-lo a nosso favor. De alguma forma o filme também é sobre o Tempo.

De que maneira a sua experiência prévia como atriz esculpiu as exigências que você se impõe, como realizadora, com outros atores e com você mesma? E como essa incursão na realização modifica a atriz que você é?

As minhas experiências anteriores como atriz influenciaram muitíssimo o meu trabalho como realizadora. Foram extremamente importantes. Tive a chance de acompanhar as dificuldades de uma produção, em inúmeros aspectos, e os desafios que o diretor enfrentava para solucionar, na necessidade de se reinventar. Desde dificuldades para encontrar uma locação a dificuldades na hora da filmagem, os desafios e a rapidez para encontrar soluções. E, de alguma forma, conseguir incorporar a mudança no plano de filmagem, tornar este desafio algo positivo, transformar o desafio em algo útil para o filme. Boa parte destas experiências vieram de processos de filmagem de que tive a oportunidade de participar, filmes com produções maiores, menores e cujo resultado final foi sempre muito interessante. Tive o privilégio de trabalhar com criadores como Carlos Reichenbach, Paulo César Saraceni, Julio Bressane, entre outros. Além de ter tido pais que, desde muito cedo, iniciaram-me no universo cinematográfico. Houve projetos que a minha mãe, Helena Ignez, produziu e dirigiu, nos quais eu atuei, acompanhando de forma muito próxima, fazendo as mixagens do filme nos laboratórios, participando das escolhas artísticas. Tive experiências diretas na minha vida. Em “Mulher Oceano” faço um filme diferente do estilo que ambos, Helena e Rogério, têm. Aprendi muito com eles mas busquei seguir meus próprios instintos e desejos, um caminho pessoal. Apesar de a minha mãe ser atriz e diretora, acho que fazemos um cinema que dialoga, porém distintos. Com os atores, busquei dirigir para que o filme partisse deles. Dando espaço para o ator, dando liberdade para o frescor, para o improviso.

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