Segunda-feira, 20 Maio

‘Pacification’ amplia o culto a Albert Serra

Capa do número mais recente da Cahiers du Cinéma, no rasto de sua estreia em Paris, neste fim de semana, Pacification” (“Tourment Sur Les Îles”), de Albert Serra, reverberou pelo 37° Festival de Mar Del Plata, que termina neste domingo, na Argentina, como não o fez em nenhum dos outros eventos por onde passou, incluindo a disputa pela Palma de Ouro de Cannes, em maio. Em terras (e telas) portenhas, a sua inquietante discussão sobre a inércia (na política e nos afetos) devastou plateias e transformou o realizador catalão num autor a ser tratado como objeto de culto. Ele já havia concorrido lá antes, com El Cant Dels Ocells”, em 2007, e com Honor de Cavalleria (2006). Mas depois da láurea especial do júri da Un Certain Regard cannoise que conquistou em 2019, com Liberté, seu prestígio é outro.

O cineasta catalão ganhou prestígio ao ganhar o Leopardo de Ouro de Locarno, em 2013

A sua trama se passa na ilha polinésia francesa do Taiti, onde se encontra De Roller, alto funcionário da República vivido por um iluminado Benôit Magimel. É um sujeito calculista, capaz de transitar tanto pelos círculos mais ricos e abastados, quanto por locais obscuros, onde ele se mistura com a população mais pobre, especialmente quando um boato começa a circular: o avistamento de um submarino cuja presença fantasmagórica poderia anunciar o retorno dos testes nucleares franceses. A ameaça de uma hecatombe atómica se mistura com experiências sexuais e angústias existenciais vividas tanto por De Roller como por figuras que o cercam.

Na conversa a seguir, concedida ao C7nema em San Sebastián, Serra – que alcançou prestígio ao conquistar o Leopardo de Ouro de Locarno com Història de la Meva Mort”, em 2013 – faz uma reflexão sobre sinestesia de uma narrativa que estreou em Portugal a 9 de março.

Desde Cannes, o principal elogio que “Pacification” colhe envolve a sua engenharia sonora. Como o som foi arquitetado?

Eu tenho diante de mim um universo natural que poderia ser tratado como um idílio, mas aproximo-me dele a partir de uma premissa política de choque social de poder, entre ricos e pobres. Todo o conceito do filme parte de um desejo de distorcer perceções e gerar uma série de camadas sonoras que me permitam gerar paranoia na plateia. É uma partilha do estado de alerta em que De Roller e os demais estão.  

Que abordagem você busca para o Taiti, sobretudo em relação a toda a iconografia que se fez da Polinésia e da recorrente associação daquele espaço natural com a ideia de “bom selvagem” que vem de Rousseau, segundo a qual só a sociedade corrompe o que vem de um Éden como aquele?

O desafio aqui era sobretudo formal, de propor imagens inéditas na representação daquele mundo. Rousseau não entra ali pois estamos numa natureza desconhecida, onde nem De Roller sabe quem é que manda. Daí, trabalhei na montagem para propor uma distensão de tempo que valorizasse esse senso de descoberta e que nos garantisse um meio de perceber uma certa esperança entre os que ali vivem.

O quanto esse filme carrega da tradição do cinema espanhol?

Ele tem uma ligação evidente na produção, mas o que importa, como representação, é menos a origem nacional e mais o interesse numa representação de figuras humanas alquebradas, em chamas, que fogem de comportamentos padrões. Para isso, nas filmagens, o elenco não se pauta pelo guião mas pelos meus sentimentos, a partir do modo como eu o compartilho com eles, cena a cena.

O 37° Festival de Mar Del Plata termina neste domingo.  

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