Sexta-feira, 17 Maio

Une histoire d’amour et de désir: amor e erotismo, os primeiros passos

Depois de encerrar a Semana da Crítica cannoise, numa cerimónia emocionante já que marcava a última vez que Charles Tesson subia ao palco para apresentar um filme como diretor artístico da famosa barra paralela do Festival de Cannes, “Une histoire d’amour et de désir” invadiu agora as telas do Festival de Cinema Francófono de Angoulême, saindo do certame com o principal prémio. 

Assinado por Leyla Bouzid, o filme narra a história de Ahmed (Sami Outalbali), um jovem francês de ascendência argelina que conhece na faculdade Farah (Zbeida Belhajamor), uma tunisina que acaba de chegar a Paris. Imediatamente, entre os dois vai nascer uma enorme química, mas a timidez de Ahmed vai colocar a nu as fragilidades de uma nova juventude masculina incapaz de corresponder aos padrões do “macho viril” que os seus amigos e a sociedade em geral lhes impõem. Paralelamente a esse encontro e travar conhecimento entre os dois, Ahmed descobre também a poesia erótica e sensual árabe, algo que nunca imaginou existir. Filho de uma geração que fugiu da Argélia e nunca mais voltou, o rapaz está totalmente integrado na cultura e vida francesa, mas muito afastado das suas origens, não falando nem lendo árabe, algo que também servirá de entrave (e simultaneamente porta de entrada) para o mundo de Farah.

Depois de “À peine j’ouvre les yeux”, o meu primeiro filme que mostrava a jornada de emancipação de uma jovem, pareceu-me importante fazer o mesmo em relação a um rapaz”, disse-nos Leyla Bouzid em Cannes. “Queria falar de um jovem que também precisa se emancipar. Queria fazer o retrato de um rapaz tímido que é algo que acho que falta no cinema. Na minha vida conheci muitos rapazes assim, incapazes de dar o primeiro passo quando têm interesse numa rapariga. Essa era a minha ideia original, mas depois quando comecei a escrever, toda a sua dramaturgia residia na sua resistência interior. Era assim necessário edificar toda a sua fragilidade, o seu amor pela literatura. Foi muito complicado, especialmente no início, construir este rapaz introvertido, até porque – como disse – não temos muitas dessas representações no cinema. A maioria dos jovens desta idade são normalmente apresentados como viris, uns “machos”. Eu queria dar-lhe um toque de fragilidade no masculino”.

Estas novas representações da masculinidade no cinema têm surgido com maior incidência nos últimos anos e podem-se sentir (em maior ou menor grau) em filmes tão díspares como “Candyman” e “The Odd-Job Men”, mostrando um paradigma que muitos homens encontram: presos entre o serem eles mesmos ou corresponderem às expetativas “viris” que os seus amigos e a sociedade lhes impõem. Para criar essa empatia, desejo, mas também uma barreira permanente entre as duas personagens, Bouzid confessa que o seu trabalho começou logo durante casting: “Escolhi a Zbeida em função do Sami. Quando eles se conheceram durante o casting, existiu logo uma química muito forte. Algo circulava no ar, uma coisa que sentíamos mas não conseguimos explicar. Depois de serem escolhidos, não se viram mais até as filmagens. Disse mesmo ao Sami para não a contactar (Ela é da Tunísia)”. 

Sami Outalbali, Leyla Bouzid e Zbeida Belhajamor em Cannes

Desenraizamento cultural

Por outro lado, “Une histoire d’amour et de désir” evoca outros problemas, como o dos imigrantes de segunda geração com uma cada vez menor ligação às suas origens. Isso acontece com Ahmed, que apesar de fascinado com a poesia erótica árabe, mostra-se incapaz de ler ou escrever, esbarrando igualmente com questões religiosas, que circulam por todo o seu grupo de conhecidos.. “É um problema, pelo menos em França”, diz-nos Bouzid. “Os filhos da geração de imigrantes de origem árabe muitas vezes já nem falam ou sabem ler em árabe. Alguns falam pequenas coisas, mas ler, nem por isso. Em França até existe alguma polémica, porque alguns ministros da educação já propuseram que se ensine o árabe como segunda ou terceira língua nas escolas, dependendo da escolha dos alunos, mas isso acabou por não avançar.” 

Sensualidade e erotismo

Além de ser um filme carregado de sensualidade e erotismo na sua vertente literária e poética, “Une histoire d’amour et de désir” carrega as suas personagens de uma tensão permanente que eventualmente irá explodir e transformar-se em pura carnalidade. Bouzid preparou conscientemente esse crescendo de tensão, com muita angústia e frustação à mistura, e espera que o seu filme não provoque polémica na Tunísia. Na verdade, ela deseja que a juventude de todo o mundo possa aceder ao seu filme, até porque existe uma universalidade na paixão retratada e nas repressões internas que estes jovens carregam na transição da adolescência para a idade adulta.

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