Sexta-feira, 19 Abril

Murina: da Caméra d’Or à Olhares do Mediterrâneo

"Murina" é o filme de abertura da Olhares do Mediterrâneo | Women's Film Festival (14-20 novembro)

Quando falamos do filme “Murina”, presente na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes e vencedor da prestigiante Caméra d’Or, em 2021, há duas histórias que merecem ser contadas.

A primeira, e óbvia, é do próprio filme em si, que marca a estreia na realização de longas-metragens da croata Antoneta Alamat Kusijanovic. Em “Murina”, a relação entre a adolescente Julija e Ante, o seu opressivo pai, atinge os limites da tensão extrema quando um velho amigo da família chega à sua casa insular na Croácia, revelando um passado de violência.

Uma história de emancipação num ambiente ainda muito chauvinista, como nos explicou a cineasta numa entrevista em Cannes. “A personagem masculina do pai opressor não é horrível para toda a gente. Depende muito de quem está a ver. Muitos certamente estão com ele. Sabes, muita gente não vê o chauvinismo no comportamento destes homens. Por isso mesmo é bom ver como os filmes ressoam localmente e depois universalmente.”

Daren Gursen e Antoneta Alamat Kusijanovic

Já a segunda história que merece ser contada em torno de “Murina” é um verdadeiro fait divers. Apesar de estar grávida de 9 meses e já na iminência de dar à luz, a realizadora e argumentista seguiu mesmo para o Festival de Cannes para promover o seu filme. “Está prestes a acontecer. Uma semana no máximo”, disse-nos Antoneta numa entrevista onde abordámos ainda a sua carreira, o esforço que fez para estar presente no certame e alguns detalhes do seu filme que foi desenvolvido com o apoio do Festival de Cannes Résidence, Cinéfondation, First Films First do Ghoethe-Institute, e o Jerusalem Film Lab.

Para chegar a Cannes, viajou de carro por três dias: de Dubrovnik, passando por Zagreb, Eslovénia, e Brescia, em Itália, com o marido e a mãe. Pelo caminho, várias “paragens de segurança em hospitais” nas principais cidades, caso fosse necessário atendimento médico.

Nos créditos da produção de “Murina” encontramos Martin Scorsese, através da Sikelia Productions, e a RT Features, do brasileiro Rodrigo Teixeira.

A minha intenção com o filme mudou ao longo do tempo”, explicou a cineasta, dando detalhes sobre a conceção da produção: “Fiz uma curta-metragem chamada ‘Into the Blue’ na qual o local das filmagens foi a minha primeira inspiração. Era a ilha onde a minha bisavó e avó nasceram e na qual passei algum tempo. Era uma ilha completamente selvagem, bastante perigosa de certa forma. Era um espaço onde éramos livres enquanto crianças e podíamos correr de um lado para o outro. Foi assim que tudo começou, com este espaço. Filmei lá a curta e adorei. Foi gratificante em termos de prémios em festivais, mas também em termos emocionais. Desta vez decidi que queria explorar mais a ilha, mas desta vez com adultos. Temos assim o mesmo local, mas agora em vez de termos crianças que se comportam como adultos, temos adultos que agem como crianças. Foi quase como uma pesquisa antropológica. Claro que ser da Croácia e conhecer a mentalidade das pessoas influenciou-me muito. Pegar e destacar os aspetos locais de uma história bem universal. Gosto muito de trabalhar com atores e era importante mostrar como estas pessoas, sensações, lágrimas e corações saem dos arquétipos e começam a comunicar com o público para além daquilo que o guião lhes oferece”.

Não se assumindo de todo como uma cinéfila (pediu-nos até desculpa por ainda não ter visto ‘Quo Vadis, Aida’), Antoneta explicou-nos que encontra inspiração para o seu trabalho em várias artes, onde se inclui até a Arquitetura, já que quase toda a sua família está ligada a ela. “Aventureira” por natureza, abandonou a Croácia aos 16 anos com destino ao Canadá, mais propriamente para uma área bem no norte do Quebeque, onde procurava aprender francês. A partir daí o seu destino traçou-se entre a Croácia e os EUA, assentando arraiais em Nova Iorque, onde reside atualmente. “Apaixonei-me por Nova Iorque e encontrei um trabalho lá na produção. Ia produzir um filme, um documentário, mas acabei por realizar. Foi assim que tudo começou.”

Sobre “Murina”, a cineasta diz que sempre teve interesse em ver como seria construir um híbrido entre o cinema norte-americano e o europeu, que “é o que lhe interessa seguir” no futuro. A mesma regra – de uma certa fusão – foi aplicada durante as filmagens do seu filme, existindo momentos em que o guião e o texto comandava tudo, enquanto noutros havia espaço para “os acidentes” acontecerem e permanecerem registados no produto final. “Há certas cenas em que sou extremamente meticulosa, não tanto devido à prestação dos atores, mas devido aos elementos técnicos envolvidos. Se estiver a filmar num barco ou debaixo de água [como acontece frequentemente], numa gruta ou de noite, aí sou muito rígida nos meus planos. Nas outras cenas estou sempre aberta à exploração das personagens. Passo meses em ensaios com os atores na ilha e eles têm a oportunidade de propor o que quiserem. Porém, quando estamos no set de filmagens, não existem muitas mais mudanças. Há várias sequências em que não existiam storyboards e nessas estou aberta a tudo. No fundo, tenho abordagens diferentes consoante a cena em questão”.

Já a preparar um novo filme, na fase da escrita, Antoneta revelou-nos alguns detalhes sobre ele: “É algo que vou filmar em Nova Iorque. Passa-se numa metrópole e aborda dinâmicas semelhantes. Estou sempre interessada nas relações interpessoais e herméticas entre famílias, companheiros e respetivos confrontos de mentalidade. Estou sempre também interessada em personagens da Diáspora dos Balcãs, mas neste momento não consigo ainda dizer se o filme vai-se focar nisso. É muito cedo.

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