Sábado, 20 Abril

Nanni Moretti: “somos feitos das escolhas que fazemos”

"Três Andares " estreia nos cinemas a 4 novembro

Afastando-se da veia política característica dos seus filmes, Nanni Moretti apresentou no Festival de Cannes o seu mais recente projeto, “Tre Piani” (Três Andares), uma adaptação ao cinema do romance homónimo do escritor israelita Eshkol Nevo, que agora chega aos cinemas portugueses.

Drama intenso, “Três Andares” segue três famílias que vivem em três apartamentos, todos eles confrontados com problemas muito intensos. De um lado encontraremos um casal que enfrenta a terrível suspeita de que o seu vizinho, um idoso, abusou da filha; do outro, uma mãe luta contra a solidão e a áspera relação do marido com o irmão; e finalmente um casal que vê o seu filho atropelar e matar uma mulher, observando como este terá de confrontar o crime que cometeu.

É um filme sobre a responsabilidade, assumirmos os atos que fazemos”, disse Moretti ao C7nema numa entrevista durante o festival de Cannes, explicando que nele existia a ideia de adaptar esta obra sem qualquer nostalgia, uma observação de uma época e dos problemas políticos e sociais desses tempos: “Não queria nenhuma referência temporal neste filme, como fiz no ‘Quarto do Filho’, pois ambos os filmes abordam temas universais. Não queria nenhuma distração. Nada de noticias, programas de TV, ou referencias radiofónicas. Nada da atualidade, datado (…) e não existe nostalgia neste olhar para o passado. É um facto que somos todos responsáveis pelas nossas ações, as quais trazem sempre consequências. Fala-se muito da nossa herança material para os filhos, mas não podemos esquecer o mesmo em termos morais. Todos nós somos feitos das escolhas que fazemos.

Sobre as dificuldades e mudanças na adaptação, Moretti disse que o que o atraiu a este livro foram “os sentimentos, medos e sensações”, as quais “queria contar cinematicamente”, dando a tudo um sentido universal. “A ação passou de Telavive para Roma, nas não é uma Roma identificável. Podia ser em qualquer cidade.”

Já sobre as personagens que povoam o seu filme, Moretti falou da intransigência demonstrada pelos homens, cabendo às mulheres fazerem avançar a narrativa: “Quando dizes que a nossa geração falhou, existe sempre um toque de auto-conformidade. Eles mesmo são personagens problemáticos do ponto de vista dos filho. Não é fácil ser filho de dois juízes, como também não o é de dois psicanalistas. Cada um deles, pai e mãe, têm duas maneiras de reagir diferente ao acidente provocado pelo filho que levou à morte de uma mulher.  Os homens do filme são intransigentes, pensam estar no lado correto da verdade. A dureza do juiz em confrontar o filho, o homem que não quer mais ver o irmão e o medo do Lucio (Ricardo Scarmaccio) pelo que aconteceu à sua filha, que se transformou numa obsessão e que o leva a tomar atitudes absurdas. Os homens mantém-se firmes nas suas ideias, as mulheres não. São estas que tentam reconstruir as relações humanas”. Isto não quer dizer que Moretti entenda o seu filme como feminista e ele próprio disse-nos, em jeito de brincadeira, que “os filmes feministas devem ser feitos pelas mulheres“. “Mas é verdade que aqui as mulheres são muito mais positivas e construtivas que as masculinas. Eles e elas têm duas formas diferentes de reagir e lidar com as dificuldades, na tentativa de construir um futuro“.

O Futuro

Mal tomou a segunda dose da vacina contra a Covid-19, Moretti publicou no Instagram uma mensagem onde afirmava “ao trabalho!“. Segundo o italiano, essa mensagem era destinada a travar de alguma forma os lamentos e conversas que ainda existiam em torno da doença e o objectivo era o de entrar numa nova fase.

E para entrar nessa nova fase o realizador tem já na agenda a produção de dois documentários, “Piazza” (de Karen Di Porto) e “Las leonas” (de Isabel Achaval e Chiara Bondì), além de atuar em “Il colibrì” de Francesca Archibugi; e de continuar com as leituras programadas de “Querido diário“ em várias cidades italianas. E apesar de não o mencionar, não vamos esquecer que o cineasta é dono de um cinema em Roma, por isso terá certamente muito que fazer no período de recuperação das salas no pós-pandemia.

Moretti tem igualmente um novo filme como realizador já em desenvolvimento, “E il sole dell’avvenire?“, mas fechou-se em copas e não forneceu detalhes sobre ele. Ele apenas mencionou que, apesar de existir um documentário com esse nome, assinado por Gianfranco Pannone em 2008, que acompanha o nascimento das Brigadas Vermelhas, o seu projeto nada tem a ver com isso.

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