Quarta-feira, 8 Maio

«The Wolf of Wall Street» (O Lobo de Wall Street) por Carla Calheiros

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Martin Scorsese é um dos meus realizadores preferidos, e é com pena que o vejo muitas vezes ser injustiçado pelas entregas de prémios, que o consagraram apenas por The Departed. E não quer isto dizer que este seja um filme menor, mas na verdade viverá sempre com o estigma de ser um “remake”. Mesmo assim, Scorsese tem-se reinventado com obras de temáticas muito distintas, como são os exemplos recentes de Shutter Island ou Hugo.

Realmente quem viu o familiar Hugo dificilmente adivinharia o próximo filme que o realizador tinha na manga, a adaptação do livro The Wolf of Wall Street, biografia do corretor Jordan Belfort, um “self mad man” dos pequenos negócios, que acabaria por enriquecer à margem das grandes companhias de Wall Street.

O filme acompanha Belfort desde o seu primeiro dia em Wall Street, onde, inexperiente, acaba por beber os ensinamentos de Mark Hanna, pequena mas inspirada participação de Matthew McConaughey. Vítima da Segunda-Feira Negra, em 19 de Outubro de 1987, Belfort é despedido de Wall Street, mas acaba por não desistir da ideia de enriquecer com as ações da bolsa. E acabaria por fundar a sua própria companhia com um conjunto de amigos sem grande aptidões académicas.

A partir daqui, Scorsese leva-nos numa espiral de três horas de loucura, orgias, devassidão, drogas e muito, mas mesmo muito dinheiro. Assumindo desde o início um tom caricatural na personagem de Belfort, Scorsese não se coíbe de alguns dos efeitos característicos, música alta, e algum “fast forward” para ajudar a dar conta dos efeitos da cocaína que corre a rodos neste grupo de pequenos escroques, bem como o impecável trabalho de câmara presente em todos os filmes do realizador.

Ao lado do realizador está Leonardo DiCaprio na sua quinta colaboração com Scorsese, que tem resultado sempre em tremendas interpretações do ator. Tal como Martin Scorsese, também Leonardo DiCaprio tem sido um mal-amado das premiações, constantemente esquecido, quer como ator principal, quer como secundário (lembram-se de Calvin Candie do ano passado?). No entanto, e tal como o realizador, o ator responde à ausência de prémios superando-se e aqui está brilhante, e tem possivelmente a melhor interpretação da sua carreira, como um homem hipnótico que acaba por ter um raro poder de persuasão. São fantásticos os momentos em que Belfort olha para a câmara e nos narra diretamente a ação.

Ao seu lado, e igualmente com uma prestação memorável está Jonah Hill, nomeado ao Oscar pelo mediano papel em Moneyball, que agora possivelmente será esquecido pelo desempenho francamente superior neste filme. Há ainda espaço para dois realizadores/atores terem pequenos mas divertidos papeis no filme: Jon Favreau, bem como o regresso em forma de Rob Reiner. Além disso, até Spike Jonze, num pequeno e não creditado papel, abrilhanta a obra de Scorsese.

Curiosamente, o filme acaba por arrastar consigo uma enorme polémica sobretudo nos Estados Unidos. Contrariando a caracterização de outros realizadores, que mostram os grandes tubarões da corrupção como homens frios, Scorsese mostra-nos Belfort leve e quase caricatural o que foi entendido como uma forma de “limpar” a sua imagem. Na verdade, e face a ser uma adaptação de uma biografia, e com os acontecimentos a relatar serem na sua maioria anedóticos, qualquer tentativa de tornar Jordan Belfort um homem frio e sério era quase impossível.

No entanto, e dado o atual cenário de crise à escala mundial, muito por conta deste especuladores de mercado, não cai bem a algumas pessoas o registo cómico que Scorsese adota, mas na verdade, não é o facto de relatar com ligeireza que atenua, ou esquece as consequências das escolhas que os personagens fazem.

Dai resulta que todos vemos que Belfort e a sua corja como são: patifes, drogados e ladrões, com comportamentos reprováveis e que nos divertem a rodos por três horas. Se desaprovamos as suas ações? Claro! Se conseguimos desviar o olhar? Nem pensar! Pelo lado negativo, apenas apontar que o último terço do filme levanta o pé do acelerador e que pela primeira vez se sente o peso da duração.

 

 

Carla Calheiros

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