Situado entre o testemunho autobiográfico e uma meditação poética em torno dos recantos mais negros do alcoolismo, o documentário realizado por Maria Sigrist e Satindar Singh Bedi conta a história da relação entre os dois realizadores, um amor que começa quando se encontram por acaso durante uma masterclass em Zurique. 

Evocação de um alcoolismo absolutamente devastador e alucinante, um vício que o indiano Singh Bedi alimenta desde desde criança e que o arranca do mundo com uma garra francamente infernal, o trabalho da dupla de realizadores procura encontrar um horizonte partilhado que consiga transcender essa maldição que arrasa tudo à sua volta. É um diálogo em contraponto que vai envolvendo o espectador numa teia de desespero, onde raramente a esperança se assoma: tudo é negro e cinzento, um noite que se visita ora pelos olhos de Sigrist, que procura a todo custo lidar com a realidade de amar um fantasma; ora pelo tom confessional de Singh Bedi que aborda explicitamente os “rituais” de um alcoolismo que lhe corre nas veias desde criança, adoptando numa atitude reflexiva que apesar de tudo nunca se esgota num testemunho “didático” ou meramente “confessional”. 

Impressiona sobretudo pela frontalidade existencial com que ambos olham para o fundo das suas vidas, ainda que o contexto cinematográfico com que somos confrontados seja por vezes repetitivo: não só no balançar de um vai e vem de ideias que nos parecem sublinhadas uma e outra vez, mas ainda pelo enquadramento visual que demasiadas vezes se encaminha para jogos de sombra e luz, de cores e das suas inversões, numa lógica que cedo se adivinha um tanto denunciada.

O que não impede “The Curse” de se tornar num objecto que procura tocar o sublime: um canto negro de um amor amaldiçoado, que procura uma e outra vez encontrar na possiblidade de uma prática artística um contracampo estético ao delírio sensorial do álcool.

Pontuação Geral
José Raposo
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