Sábado, 27 Abril

#blackAF: humor em tons negros destinado a todas as raças

Kenya Barris mudou-se de “armas e bagagens” para a Netflix e apostou no "conto" de uma história muito pessoal

O aviso é dado. #blackAF é mesmo, de forma literal, aquilo que o título anuncia: “black as fuck”.

Consciente de que não agradará a todos os públicos, Kenya Barris fez uma série em modo de documentário acerca da vida real que é mesmo um depoimento em torno da vida pessoal do criador, autor e realizador da série.

Intercalado entre cenas “da vida real” e depoimentos na primeira pessoa, #blackAF é provocador e acusatório, no sentido em que aponta todos os requintes de consumismo, tão comuns e vigentes na comunidade hype norte-americana: carros, ouro, marcas, restaurantes requintados e luxos afins

O curriculum de Kenya Barris já provou vezes sem conta que é muito consciente da realidade em que vive e não tem receio de apontar as suas fragilidades. Kenya Barris foi produtor e criador de “Black-ish” e dos seus spin-offs, “Grown-ish” e “Mixed-ish”.

Neste #blackAF, Barris navega pelo estereótipo típico do novo rico afro-americano que enfrenta dúvidas existenciais e preconceitos sociais. Tudo sem nunca esquecer a história dos negros nos EUA, que agora, mais do que nunca, precisa de ser relembrada. Este passado está sempre presente na série, seja com conversas acerca de racismo, de escravatura e até da forma muito peculiar dos título dos seus episódios:

  1. because of slavery” (por causa da escravatura);
  2. because of slavery too” (também por causa da escravatura);
  3. still… because of slavery” (ainda … por causa da escravatura);
  4. yup, you guessed it. again, this is because of slavery” (sim, adivinhou. Mais uma vez, isso é por causa da escravatura);
  5. yo, between you and me… this is because of slavery” (yo, entre mim e ti … isto é por causa da escravatura);
  6. hard to believe, but still because of slavery” (difícil de acreditar, mas ainda é por causa da escravatura);
  7. i know this is going to sound crazy… but this, too, is because of slavery” (eu sei que isso vai parecer loucura … mas isto também é por causa da escravatura);
  8. i know you may not get this, but the reason we deserve a vacation is… because of slavery” (eu sei que podem não entender isto, mas a razão pela qual merecemos umas férias é … por causa da escravatura).

#blackAF é um exercício de autocrítica e de constatação social, não tem uma cronologia linear, não tem propriamente uma linha narrativa continua e é aí que reside o seu encanto, na diferença. É o típico exemplo de que “primeiro estranha-se e depois entranha-se”.

Escusado será dizer que Rashida Jones é a cola de todo o projecto sendo a empatia entre o elenco é cereja no topo do bolo e os momentos de claro improviso entre os protagonistas são um deleite para quem gosta de uma comédia de cariz quotidiano que é sustentada num discurso histórico e muito vincado na desigualdade social, apesar de não parecer.

A série protagonizada por Kenya e Rashida não é para todos os públicos nem pretende ser. Não foi feita como resposta ou incluída no movimento #BlackLivesMatter. Oprojecto foi pensado, feito e lançado muito antes destes acontecimentos com implicações mundiais. Serão muitos os que apontaram a Barris o dedo de acusação, no sentido de deslealdade para com os negros, outros acharão que a série é feita para brancos e muitos levarão a mal o tom humorístico para temas sérios. Humor é a palavra-chave e é a forma como devemos ver e encarar esta competente estreia de Barris na Netflix. Como diz a tagline oficial: “It´s all about perspective” (é tudo uma questão de perspectiva).

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