Quinta-feira, 2 Maio

Casablanca: o início de uma bela amizade

Um dos filmes mais famosos do Mundo (se não o mais), Casablanca de Michael Curtiz é o novo membro da meritosa tradição da reposição dos clássicos cinematográficos em salas de cinemas, partilhando o espaço ao lado das mais mediáticas produções da atualidade. Se alguma vez o viu, esta é uma oportunidade única para revê-lo com todo o esplendor e imaculada magia numa cópia restaurada e remasterizada. Caso contrário, este é um clássico que necessita urgentemente de ser descoberto, principalmente para as novas gerações de cinéfilos.

O início de uma bela amizade

Casablanca é daqueles raros momentos em que refere a capital portuguesa (Lisboa) como um último reduto. Uma esperança livre e difícil de alcançar, é exatamente nisso que pensa Rick Blain (Humphrey Bogart), um refugiado que ao não conseguir escapar de Casablanca, uma cidade marroquina considerado neutra (mas não muito), constrói a sua vida lá, tornando-se assim dono de um dos mais prestigiados cafés do local (Rick’s Café). E é numa vulgar e quente noite que entra no seu salão uma antiga e inconsumida paixão, Isla (Ingrid Bergman), que se faz acompanhar pelo checoslovaco, Victor Laszlo (Paul Henreid), agora seu esposo, um revolucionário que a Alemanha deseja deter. Seguido por vários twists e “remexidas” no passado, Rick Blain terá que tomar decisões críticas e importantes que ditarão o rumo de várias personagens, escolher entre o correto ou o seu próprio bem-estar. O sacrifício ou a felicidade.

Louis, I think this is a beginning of a beautifull friendship” . São frases como estas, ditas por um dos mais charmosos atores de sempre, Humphrey Bogart, que fizeram avançar em passo largo o cinema. Além da quote, que segundo a personagem de Billy Crystal na conhecida obra de Rob Reiner, Um Amor Inevitável (1989) – é a melhor de todas as frases ditas num final de um filme – Casablanca é uma fita “assombrada” por fantasmas, os espectros de uma guerra que se fazia sentir por toda a Europa, cujas réplicas pairavam na cidade marroquina.

O selo patriótico e as fantasias noir

Contudo, a história que encantou gerações e que tornou Hollywood numa marca incontornável de qualidade cinematográfica na altura, surgiu através de uma viagem de Murray Burnett pela Europa em 1938. Um dos pontos cruciais desta viagem foi o Sul de França, onde o autor deparou-se com imensos refugiados nazis e um ambiente noturno tão próprio. De seguida escreveu uma peça de teatro em conjunto com Joan Alison, Everybody comes to Rick’s, o qual nunca vira a luz do dia mas que o argumento caiu nas mãos de produtores da Warner Bros. um dia depois do ataque a Pearl Harbor.

Numa altura em que os EUA entravam em guerra, os grandes estúdios procuravam filmes de teor patriota e o guião de Burnett era perfeito para o efeito (fala-se que era reescrito diariamente). Filmado inteiramente dentro de um estúdio da Warner, que havia sido propositadamente construído para A Canção do Deserto, de Robert Florey, conseguiu-se assim reproduzir uma cidade marroquina com todos os toques de um thriller noir (o qual nos anos 40 verificava-se a ascensão deste subgénero). O titulo foi então modificado simplesmente para Casablanca, tentando copiar o êxito de 1938, Algiers de John Cromwell.

Humphrey Bogart

Começando como um ator de teatro sem formação em 1921, Humphrey Bogart era desde cedo conhecido pelo exaustivo trabalho em palco, tendo entre 1922 e 1925 participado em mais de 21 peças da Broadway. A sua entrada no cinema fez-se em 1936 com A Floresta Petrificada, de Archie Mayo (o chamado predecessor dos filmes noir), onde o ator obteve um papel secundário, mas mesmo assim elogiado.

Mas Casablanca foi definitivamente o filme que o lançou para a fama, tornando-se assim num dos atores mais influenciáveis e icónicos da Hollywood Clássica, um ano depois do elogiado Relíquia Macabra, de John Huston. Foi também graças ao filme de Michael Curtiz que recebeu a sua primeira nomeação ao Óscar na categoria de Melhor Ator, perdendo para Paul Lukas em Horas de Tormenta, de Herman Shumlin e Hal Mohr. Voltou a ser nomeado, e desta vez galardoado, em 1952, com A Rainha Africana, de John Huston.

Todo o seu glamour masculino e o seu inegável carisma fizeram da sua personagem Rick Baine um ídolo do cinema noir. Uma imponente figura amargurada e irónica, cuja crença pela “humanidade” seja um motivo inspirador numa fita que sabe disfarçar o seu patriotismo, contornando-o com um sentimento de esperança. Para sempre ligado como um dos rostos mais românticos do cinema, a Humphrey Bogart seguiu-se uma carreira próspera e de êxito, onde se destaca claramente O Tesouro da Serra Madre, de John Huston, Sabrina de Billy Wilder e Os Revoltados do Caine, de Edward Dmytryk (a sua terceira nomeação ao Óscar). Morreu em 14 de Janeiro de 1957, sendo que a sua última interpretação foi em 1956 com A Queda de Um Corpo.

Um elenco afinado

Além de Bogart, Casablanca é afinado com desempenhos sintonizados ao tom da fita ou, por outras palavras, imaculados nos tempos de hoje. São prestações lendárias e celebrizadas como a do britânico Claude Rains, inesquecível no papel do capitão Louis Renault que, talvez a seguir à personagem de Humphrey Bogart, seja a incontornável figura da obra. Um desempenho ambíguo que auxiliou na construção nas sequências mais emblemáticas, nomeadamente foi sidekick de Bogart na célebre frase final, enquanto ambos se deslocam para o desconhecido horizonte enevoado.

Rains participou em O Fantasma da Ópera, na versão de 1943, Difamação, de Alfred Hitchcock e Lawrence da Arabia, de David Lean, ao lado de Peter O’Toole. Foi nomeado quatro vezes ao Óscar, todos eles como Melhor Ator Secundário, incluindo a sua participação em Casablanca. Depois temos a bela Ingrid Bergman, cuja carreira catapultou a partir deste filme, o esquecido Paul Henreid que traz até nós uma personagem sombria, o mítico Conrad Veidt, Peter Lorre (os expressivos olhos de “M” de Fritz Lang) e Dooley Wilson, para sempre ligado à música “As Times Go By“, um dos momentos altos e de puro clímax do filme.

Um clássico intemporal

Para sempre recordado como um clássico intemporal, Casablanca ditou uma época importante do cinema, onde os conflitos exteriores serviam de horizonte para as produções cinematográficas e a urgência do cinema em preocupar com tais cenários. Mesmo sob a intenção de valorizar a imagem do norte-americano no resto do mundo, a fita magistralmente realizada por Michael Curtiz é fora isso um dos mais belos e tenazes romances cinematográficos – podendo-se mesmo compará-lo com a eternidade dissecada em O Grande Gatsby, escrito por F. Scott Fitzgerald, ou do sacrifício da mais notória peça de Shakespeare, Romeu e Julieta. Ou seja, “o melhor argumento de sempre” tem mais de romântico e caloroso de que supostamente de panfletário e a juntar isso uma ambição produtiva em construir um monumento na sétima arte. A sonoplastia, a fotografia, que gerou influências e referências, os planos classicistas mas com razão de ser, os cenários brilhantemente expostos, as personagens, as interpretações e a narrativa, tudo isto a dar origem ao mais belo dos clássicos norte-americanos. O esforço valeu-lhe o Óscar de Melhor Filme, Melhor Argumento e de Melhor Realização (Michael Curtiz). É preciso mais alguma razão para não ver este deslumbrante e único filme?

“We’ll always have Paris”

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