Quinta-feira, 2 Maio

De Pasolini a Eugène Green: O espírito apesar de tudo (IV)

12) ÍCONE CONTRA ÍCONE

Para lá da proposta de remodelação dos ícones cristãos inscrita em Le Monde Vivant, há outras inspirações imediatamente legíveis. Num episódio de predestinação em que o designado cavaleiro retira a espada que derrubará o ogre, reconhecemos um decalque do contos dos Cavaleiros da Távola Redonda. Sobre o fundo fantasioso, justapõem-se os contornos animistas da árvore-que-fala ou do cão-que-chora ou elementos de sátira contemporânea, como a ”Bruxa Lacaniana”, numa amálgama de referências que, demonstrativa da formação cultural transversal do seu autor, aproxima a solidez teórica de Green da de Pasolini. No entanto, se o declarado ideário político do italiano permanentemente se legitimou – face a um específico estado das coisas – pela cartilha marxista, a Green nunca se ouviu subscrever uma ideologia. Mas, defronte dos aceleracionismos do mundo moderno, não é um gesto político construir a apologia do regresso à atenção, ao silêncio e à espiritualidade?

NA IMAGEM: Porcile, Pier Paolo Pasolini, 1969
NA IMAGEM: Teorema, Pasolini, 1968

”Seria preciso considerar Pasolini como um iconoclasta-utópico. Utópico, porque idolatrava os camponeses simples de Friuli, as suas formas linguísticas e as suas aparentes vidas honestas. Via-os como o arquétipo do Italiano historicamente religioso. Iconoclasta porque se tornou progressivamente cínico nos seus filmes posteriores, não encontrando nenhum valor positivo no comportamento humano quando já não encontrava quem pudesse estar à altura do seu modelo idealizado. Efectivamente, todas as comunidades rurais e sub-proletárias em que ele se centrava também procuravam tirar proveito do consumismo urbano que Pasolini tão fortemente desprezava.” Concetta Pellegrini Thibideau (in The Myth of Christ and the Sacred in Pasolini’s Films)

Nas areias primordiais, onde os homens e as mulheres regressam à nudez inaugural (em Porcile, Teorema, 1001 Noites ou Contos de Canterbury, de Pasolini), parece haver condições para a refundação da civilização. Desta apologia utópica, suspende-se um optimismo como uma hipótese [sebastiânica] de futuro:

”Usando os movimentos dos corpos e das coisas (…), historicizei as sexualidades com o fim de criar uma ruptura virtual na experiência vivida pela audiência, abrindo-as para a potencialidade das novas práticas.” Pasolini

NA IMAGEM: The Canterbury Tales, Pasolini, 1972

NA IMAGEM: Giotto, Meeting at the Golden Gate, 1305

 

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

  • ABRANTES, Gabriel, The Delay of Death – Pasolini’s Trilogy of Life, MUBI Notebook: https://mubi.com/notebook/posts/the-delay-of-death-pasolinis-trilogy-of-life
  • AMBERSON, Deborah, Stretching the Standard: Philosophies of Style in the Work of Italo Svevo, Carlo Emilio Gadda and Pier Paolo Pasolini, University of Philosophy, 2004
  • CARLOROSI, Silvia, Cinepoiesis: The Visual Poetics of Pier Paolo Pasolini, Michelangelo Antonioni and Franco Piavoli, University of Pennsylvania, 2006
  • DUNGHE, P. Adelmo, Hermeneutics of Film: Pasolini’s Semiotics and the Cinema of the Sacred, Toronto, 2007
  • GRANJO, João Amado, Luz, Divino e Arquitectura, FCTUC, 2016
  • GREEN, Eugène, Poétique du cinématographe, Actes Sud, 2009
  • GREENE, Naomi, Pier Paolo Pasolini: Cinema as Heresy, Princeton University Press, 1990
  • HERRSTROM, David S., Light as Experience and Imagination from Paleolithic to Roman Times
  • MAFFIA, Gesualdo, Pasolini Critico Militante, Da Passione e Ideologia a Empirismo Eretico, Universidade de S. Paulo, 2018
  • McCARTHY, Patrick, Forza Italia: The new politics and old values of a changing Italy, The New Italian Republic, eds, Gundle and Simon Parker, London: Routledge, 199, 137
  • PASOLINI, Pier Paolo, Empirismo Herege, Assírio & Alvim, 1982
  • PASOLINI, Pier Paolo, Rital and Raton, The MIT Press, 1984
  • RHODES, John David, Stupendous, Miserable City: Pasolini, Rome, Cinema, 2003
  • SCHWARTZ, Barth David, Pasolini Requiem, The University of Chicago Press, 1992
  • THIBIDEAU, Concetta Pellegrini, The Myth of Christ and the Sacred in Pasolini’s Writings and Films, 2000
  • Entrevista a Eugène Green (revista Ecib, 2017) https://www.youtube.com/watch?v=msumYJWYVy8&t=1082s
  • Eugène Green -Shakespeare ou La Lumière des Ombres: un portrait subjectif – https://www.youtube.com/watch?v=SFEeWYCpzuA&t=1017s
  • http://www.indiefestival.com.br/2014/bh/program.php?cod=4&l=pt

 

Páginas 1 2 3 4

Notícias