Sexta-feira, 26 Abril

Todo Comenzó por el Fin: um adeus a Luis Ospina

Há uma honestidade intelectual em Luís Ospina.” Era a frase feita que nos vendiam quando da sua vinda à Cinemateca de Lisboa, no período correspondente ao que Doclisboa que lhe dedicava numa retrospetiva integral em 2018.

Nesse mesmo ano notava-se na sua figura uma certa fragilidade. O tempo não lhe estava a ser generoso (foi-lhe diagnosticado cancro alguns anos antes), porém, era identificável a sua resistência. O cineasta e cinéfilo de “boa raça” colombiano manteve-se incansável, presenciando todas as sessões e inclusivamente indo ao encontro com os espectadores. Como uma espécie de “teaser”, antes da projeção, ele falava sobre as respetivas produções, os pós e contras, as suas perceções, confirmando aí a sua honestidade para com o seu legado.

Era um realizador que caiu no erro de explorar o miserabilismo naquilo que apelidava de “porno miséria”, até por fim encontrar o conforto na busca pela dignidade dos mais pobres, tendo concretizado Agarrando Pueblo com Carlos Mayolo, como um “antídoto (…) para abrir os olhos dos espectadores quanto à exploração por detrás do ‘cinema de miséria’ que converte pessoas em objetos“, segundo o seu manifesto de 1978. Apesar de ter estado presente em todas as sessões, o colombiano não conseguiu estar presente no nosso marcado encontro. No dia seguinte, a curadora da retrospetiva (Agnès Wildenstein) veio desculpar-se da ausência e, em jeito de confissão, disse-nos que o estado de saúde de Ospina piorava a olhos vistos e que nessa altura encontrava-se demasiado fatigado para se encontrar com a imprensa.

Confesso que não guardei rancor por ele ter faltado ao seu compromisso, pois notava-se a léguas que Luís Ospina mantinha em segredo, apesar de em vão, as suas fraquezas, neste caso o tempo que lhe restava, e que o próprio pretendia transformar numa eternidade.

Se o seu objetivo foi ou não foi cumprido, só o tempo dirá, mas até lá há que sentir o pesar. O Mundo perdeu um dos seus grandes autores marginalizados, que mesmo sob o registo de duas longas-metragens de ficção que operaram como experiências de género, foi no seu trabalho documental que costurava questões sociais e culturais do seu país, imortalizando os seus amigos artistas e do “povo” que até à sua chegada não tinham voz, que deparamos com um incalculável legado.

Nascido na cidade de Cali, em 1949, Ospina estudou cinema na UCLA (EUA) e concretizou o seu primeiro aperitivo cinematográfico ao adaptar o conto de Eróstrato de Sartre numa abordagem livre em Acto de fe. A sua paixão pelo cinema norte-americano levou-o diversas vezes a revisitar, quer no documentário sobre os filmes mudos de Hollywood (Slapstick: La Comedia Muda Norteamericana, 1989), quer na influência nas suas tentativas de enriquecer a arte de contar histórias no cinema colombiano (Pura Sangre em 1982 e Soplo de Vida [ler artigo] em 1998, terror e noir com crítica social injetada).

Luis Ospina em Todo Comenzó por el Fin 

Contudo, foi com isso mesmo, a vénia ao cinema colombiano, oculto por esse mundo fora, que Ospina consultava constantemente como sua fonte inspiracional. Procurou o primeiro filme mudo do seu país em En Busca de “Maria” (1985), percorreu o seu cinema em De La Ilusíon al Desconcierto: Cine Colombiano 1979 – 1995 (2007), e prestou homenagem ao seu amigo crítico Andrés Caicedo, Unos Pocos Buenos Amigos (1986), com o qual fundou a revista Ojos del Cine. Quanto às suas amizades, com o cineasta chileno Raoul Ruiz filmou uma curta em modo “cadáver esquisito” denominada de Capítulo 66.

E foi através desses vai e vem pelo património cinematográfico que Luís Ospina revelou pela primeira vez os seus problemas de saúde, mais concretamente em 2015, num olhar ao chamado Caliwood, grupo cinematográfico de Cali (também fundado em conjunto com Andrés Caicedo no anos 70), em Todo Comenzó por el Fin (2015). Como premonição, a morte por fim visitou-o a 27 de setembro de 2019, em Bogotá, onde estava radicado.

Antes disso, esteve presente FidLab em Marselha, em junho deste ano, em busca de financiamento para um novo projeto: o de pegar em doze filmes mudos colombianos e montá-los como uma obra imaginária. Mesmo não concretizado, é um final digno de um cineasta. Luís Ospina morreu aos 70 anos, mas morreu na paixão daquilo que tanto amou: o Cinema.

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