Sexta-feira, 26 Abril

Haifaa al-Mansour: “As mulheres têm que trabalhar mais para provar o seu valor”

Uma das duas mulheres presentes na competição ao Leão de Ouro no Festival de Veneza é Haifa al-Mansour, a primeira realizadora da Arábia Saudita que há anos atrás tinha levado ao certame, na secção Orizzonti, a comédia dramática O Sonho de Wadjda.


Haifa Al Mansour e a atriz Mila Alzahrani | La Biennale di Venezia – foto ASAC

Em The Perfect Candidate seguimos Maryam (Mila Alzahrani), uma jovem médica que, na sua sociedade conservadora, dominada pelos homens, é constantemente posta à prova e sujeita a afirmar diariamente as suas capacidades. Quando, devido a um problema com os seus documentos, é impedida de viajar para o Dubai para uma conferência e é forçada a lutar contra a burocracia, ela encontra um formulário de candidatura para as eleições da cidade, decidindo participar, desafiando as normas sociais, a segregação de género e a influência da sua família excêntrica.

Na conferência de imprensa em Veneza, Mansour apresentou as razões para ter embarcado neste projeto, que apesar de ser passado na Arábia Saudita, acaba por ter um cariz universal: “Acho que as mulheres, um pouco por todo o mundo, enfrentam algo semelhante, ou seja, resistência. As mulheres têm que trabalhar mais para provar o seu valor. Eu, como uma realizadora que trabalha na Arábia Saudita e trabalha no ocidente, ainda tenho de me afirmar. Nós, como mulheres não nascemos com um sentido de autoridade e quando assumes uma posição de liderança tens sempre de lutar e encontrar o teu núcleo como mulher e como líder. Os homens não têm de passar por este processo, porque as pessoas por natureza acreditam neles [nas suas capacidades de liderança], acreditam que eles conseguem fazer o trabalho. Nós temos de lidar sempre com o ceticismo. Isto acontece com as CEO mulheres, politicas, realizadoras, produtoras, quando tens de gerir um grande número de pessoas e tens o poder de decisão. Haverá sempre resistência […] por isso, era muito importante passar esta mensagem.


The Perfect Candidate

Explicando o que as mulheres devem fazer, a realizadora falou em “união”, algo que tem de transcender a raça, o género e a nacionalidade. “Devemos nos unir como mulheres e realmente apoiarmo-nos umas às outras, acreditarmos no sucesso de cada uma de nós. Penso que o cultivar desse sentimento de irmandade é o início de um movimento feminista real no coração, que permitirá capacitar a geração mais jovem a não terem de trabalhar tão duramente quanto nós tivemos para nos afirmarmos e sermos respeitadas nos locais de trabalho sem ter que passar por aquela luta constante. […] Quero que a minha filha desfrute de um lugar assim no futuro“, disse a cineasta já carregada de lágrimas e visivelmente sensibilizada pela questão.

Neste período de maior abertura que a Arábia Saudita vive atualmente, em que voltaram a abrir as salas de espetáculos, incluindo os cinemas, Mansour apelou ainda enriquecimento e necessidade em homenagear as profundas tradições culturais e artísticas do país antes de ele ter sido submetido a uma travagem das mesmas: “Todos os eventos públicos de arte foram banidos na fase de desenvolvimento moderno do país. Mas com a reabertura das salas de concertos, cinemas e galerias de arte por todo o Reino, é importante olhar novamente para a rica história artística que quase perdemos. Temos uma belíssima música e uma rica herança de imagens que devemos trazer de volta à vida, restaurar e fortalecer na nossa sociedade. Com a abertura dos cinemas e a permissão para conduzir concedida às mulheres do Reino, quero mostrar o imenso esforço que as mudanças reais vão comportar. As mulheres terão a oportunidade de contribuir e participar numa sociedade que as derrubou por várias gerações. A parte mais difícil para as mulheres agora é olhar além das convenções sociais antiquadas e dos objetivos modestos que foram estabelecidos anteriormente, quebrar os tabus que as envolvem e decidir traçar novos caminhos para elas e para as suas filhas“.

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