Quarta-feira, 8 Maio

Manoel de Oliveira em foco nos canais TvCine

 

O canal TvCine2 irá exibir todas as longas-metragens que Manoel de Oliveira fez em 80 anos de carreira, durante os dias 11, 12 e 13 de dezembro. Como resultado, o c7nema elaborou uma lista de 7 filmes do mestre português fortemente recomendáveis. Embora seja sempre redutor elaborar algo tão curto a partir de uma obra tão extensa, espera-se que a mesma possa fornecer uma maior facilidade na compreensão da importância desta longa carreira, seja para estreantes no seu cinema, como para os seus admiradores de longa data e, até mesmo, alguns detratores. Obras nem sempre consensuais na sua apreciação crítica, mas que se tornaram exemplos notáveis do talento artístico deste cineasta, bem como da sua marca autoral.

Decerto faltarão títulos que, de uma forma ou de outra, se tornaram emblemáticos, seja pelas colaborações com os atores – Michel Piccoli em Je Rentre à la Maison (exibido dia 12 às 6h40), por exemplo, ou Deneuve e Malkovich, ambos em O Convento (dia 12 às 18h55) – assim como pelos prémios obtidos – A Carta (dia 12 às 1h35), prémio do júri em Cannes ou A Divina Comédia (dia 12 às 10h05), grande prémio do júri em Veneza.

No entanto, a capacidade de aguçar a curiosidade ao espectador em vê-las é relativamente fácil de implementar, sendo também o objetivo desta lista o de alertar para a existência de outros que não foram recebidos com a mesma atenção e privilégios, tendo como fator decisivo, unicamente, o da qualidade. Para os que estranharem a ausência de Aniki Bobó (dia 11 às 7h50), este trata-se de um filme já enraizado no gosto popular mas, francamente, menor. De notar que será exibida também o seu filme póstumo dia 13 às 23h40: Visita ou Memórias e Confissões, obra que Oliveira só autorizou a exibição após a sua morte.

Benilde ou a Virgem Mãe (1975)

O “primeiro filme” (e também a primeira obra-prima) da grande fase em que entrou este inconformado realizador. Uma fase que o marcou para sempre e na qual encontrou o estilo, tão odiado pelos portugueses, como adorado pela França ou Itália: os planos longos, a confiança na palavra, a colocação de certos elementos simbólicos, funcionando, também eles, para a progressão do filme em si, numa encenação que lhe veio a ser característica e cuja única raiz a apontar é o Gertrud de Dreyer. Relata a gravidez inexplicável de uma jovem, filha de uma família rigidamente católica. É também o segundo volume da célebre “tetralogia dos amores”, sendo os outros, O Passado e o Presente (dia 11 às 10h45); Amor de Perdição e Francisca.

Amor de Perdição (1979)

Porventura o clássico Oliveiriano que poucos viram, estando indisponível qualquer formato que não a película, é, muitas vezes, encarado como o bode expiatório para a razão pela qual o público português ainda rejeita o cinema nacional. Catastroficamente vilipendiado aquando a sua estreia, devido à passagem pela RTP numa versão de 6 horas a preto-e-branco, foi também aquele que trouxe, por definitivo, a aclamação da crítica francesa na versão cinematográfica de quatro horas e meia, sendo agora considerado como um dos maiores filmes de sempre. Com origem no romance homónimo de Camilo Castelo-Branco que relata o amor impossível entre Simão e Teresa, no século XIX, Oliveira tomou a decisão arriscada de manter o texto na íntegra, sendo que está presente a narração do escritor em off e cada porção dos diálogos das personagens. A exibir dia 11, às 14h45.

Francisca (1981)

Primeira de uma série de colaborações com Agustina Bessa-Luís, do qual se baseia o seu livro Fanny Owen, e também com o produtor Paulo Branco, bem como o ator Diogo Dória, Francisca é um filme de época atormentando pela melancolia, de uma mulher que afirma que “a alma é um vício” e do seu amante obcecado com a sua incógnita virgindade. E o que faz quando tem a resposta é algo que por nada revelaremos. A exibir dia 11, às 19h05.

Non ou a Vã Glória de Mandar (1990)

Grande filme de guerra, um “épico ao contrário” conforme descreveu Miguel Gomes. É a guerra colonial e um professor de história feito alferes relata aos seus soldados diversas batalhas onde Portugal saiu derrotado: de Viriato a D. Sebastião, Oliveira traça um perfil histórico pessimista e, portanto, genuíno do nosso país, com um trabalho de produção esplendoroso e cenas de batalha que parecem advir dos clássicos de David Lean. De notar o primeiro plano, uma árvore majestosa e intimidante que tanto pode representar os séculos de história portugueses, como as únicas testemunhas que ainda restam do grande país que fomos. Será exibida dia 12, às 8h45.

Vale Abraão (1993)

Considerada a obra-prima do mestre do cinema português, aquando a sua passagem por Cannes na Quinzena dos Realizadores (o filme foi rejeitado da Seleção Oficial devido à sua duração de três horas e meia), Vale Abraão é uma variação do imortal clássico Madame Bovary de Flaubert, sendo também uma das mais notórias colaborações Manoel-Agustina. Nela acompanhamos Ema (Leonor Silveira, a eterna musa do realizador, no seu melhor papel), apelidada de “a Bovarinha”, desde a infância até à morte, passando por um casamento dominado pelo seu orgulho e amantes subjugados à sua mágoa. A psicologia da personagem é feita de construções de planos minuciosas, de um simbolismo prepotente, como aquele grande plano do rosto de Ema junto a uma gaiola ou da cena em que atira um gato contra a câmara, abanando-a. A maioria dos enquadramentos vêm inspirados da pintura ou da escultura, pretendendo-se fazer um ensaio sobre a beleza feminina. Como se não bastasse, é também portador de um dos mais belos momentos da carreira do mestre: o travelling nos laranjais, onde Ema “passa” (num sentido metafórico) para outro mundo, uma Alice adulta a descobrir o outro lado do espelho, o qual culminará no derradeiro mergulho. A exibir dia 12 às 13h45.

Inquietude (1998)

Ignorado pela crítica nacional, a verdade é que Inquietude veio a crescer em termos de reputação com o passar dos anos (o crítico de cinema do Chicago Reader Jonathan Rosenbaum incluiu-o na sua lista dos cem melhores filmes de sempre que, a par do Amor de Perdição, são as únicas presenças portuguesas na mesma), revelando-se um filme de enorme maturidade e alcance narrativo. São três histórias distintas (todas baseadas em contos), em que o ponto de chegada de uma, serve de ponto de partida para a outra, sempre tendo presente as desilusões dos protagonistas: dois cientistas, pai-filho, em que o primeiro quer levar ao suicídio conjunto do par, afim de alcançarem a única imortalidade; uma belíssima história de amor passada no princípio do século XX entre um jovem e uma prostituta com uma doença terminal; o último é o fragmento mais mágico, no qual uma aldeã parte à procura de uma bruxa. A exibir dia 12 às 23h40.

O Gebo e a Sombra (2012)

Foi a última longa-metragem e também a melhor feita este século do realizador português. Uma exploração do digital que ainda não tínhamos visto, nem sabíamos que seria capaz, a obra herda da pintura de Caravaggio a capacidade de encontrar a estética em chiaroscuros intimidantes e violentos, numa textura quase palpável. Adaptada da peça de Raul Brandão, passada no princípio do século passado, Gebo é um contabilista idoso a tentar sustentar a sua família, apesar das condições precárias em que se encontram e cuja estabilidade será piorada com a chegada de João, o filho pródigo. E assim se encerra uma carreira com chave de ouro. A exibir dia 13 às 22h00.

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