Sonhar em Negro: comédia satírica mostra o racismo estrutural no caminho de um aspirante a realizador

Estreia na Filmin a 9 de abril

Baseada numa websérie semi-autobiográfica de mesmo nome lançada em 2018, transformada entretanto em episódio piloto e consecutivamente em série de 6 episódios, “Dreaming Whilst Black” (Sonhar em Negro) é a mais recente aquisição da Filmin, que planeia estreá-la na sua plataforma no próximo dia 9 de abril.

São seis (escassos) episódios de uma primeira temporada que nos fazem desejar por mais (já está confirmada uma segunda temporada), seguindo-se as aventuras de Kwabena (Adjani Salmon), um aspirante a realizador de cinema de origem jamaicana.

Ao longo desses seis episódios, repletos de situações satíricas e até surreais (um bebé que fala), que não só expõem exemplos quotidianos do racismo sistémico e estrutural, muitas vezes imperceptíveis numa sociedade que ainda enaltece os grandes valores do “Império Britânico” e tem dificuldades em articular o seu “mea culpa”, “Dreaming Whilst Black” lança fortes bicadas à superficialidade do mundo das artes e em particular ao universo da televisão e do cinema, não se esquecendo um sentido de autocrítica dentro das diferentes comunidades negras que chegaram ao Reino Unido no século passado, em particular a jamaicana e nigeriana, e a propagação de teorias conspiratórias alucinadas (como a introdução de estrogénio do leite de soja).

Protagonizada e co-criada por Adjani Salmon, e muito bem acompanhado por Dani Moseley, a melhor amiga de Kwabena, a série relata assim a história de um outsider, negro e da classe trabalhadora, a tentar entrar numa indústria repleta de pessoas ricas, brancas e da classe média-alta, enquanto, como sobrevivência quotidiana, para pagar as contas, trabalha numa empresa de recrutamento de emprego, enquanto dorme na casa de um amigo que tem a esposa grávida. E nessa sobrevivência, o sonho das palavras que Kwabena devia dizer perante as situações que lhe surgem são constantes, tal como as palavras que realmente utilizou para superar mais um desafio.

Movendo-se entre a comédia e o drama, sempre com altas doses de sátira com poder de provocar uma reflexão, “Dreaming Whilst Black” ainda incorre por temáticas filosóficos universais, como o que  significa “vender-se”, traindo os ideais para pagar as contas, ou se ao se adaptar a filme uma história real se está realmente a ajudar o objeto filmado, ou egoisticamente a puxar para si os holofotes da fama a partir da exploração de um drama humano bem real. 

Com o selo da A24 (que chama logo um grupo de fãs) e um ligeiro toque da BBC (que lhe dá um diferente estatuto no reino das série para TV),  “Dreaming Whilst Black” prossegue uma linhagem de séries (Dear White People; Small Axe) e filmes (Get Out, Nope) que desconstroem arquétipos e estereótipos numa sociedade que tem muito ainda que caminhar para realmente ser justa e estar longe do racismo. E mesmo que muitas das cenas tenham um tom caricatural, elas não alienam o espectador para as verdadeiras questões em discussão. A não perder.