Sexta-feira, 17 Maio

«Alentejo, Alentejo» por João Miranda

É difícil estabelecer como surgiu o Cante Alentejano. Se alguns dizem que tem bases no Canto Gregoriano, outros indicam a sua origem na presença árabe em Portugal, outros ainda apontam para aspetos pré-romanos do Cante e sugerem uma conceção ainda anterior a essas duas. As suas origens e influências já deram origem a vários estudos, quer de etnologia, quer de música, não havendo ainda uma teoria consensual sobre seu início. Já as suas influências estão melhor documentadas: desde o canto polifónico renascentista, a influências tonais e rítmicas do séc. XVIII, o Cante é uma entidade viva que tem mantido algum do seu reportório mais antigo, mas também adicionado a este, mantendo-se sempre atual. Já no séc. XX, o Cante foi apropriado pelo Regime, em detrimento de outras formas musicais populares alentejanas, na folclorização que efectuou na tentativa de construção ideológica de uma identidade nacional.

Em Alentejo, Alentejo, Sérgio Tréfaut evita todos estes pontos mais polémicos e foca-se na expressão moderna do Cante, o que o caracteriza, quem o canta, o contexto socioeconómico em que surge e no seu futuro possível. Num momento em que, depois do Fado em 2011, o Cante concorre para Património Intangível da Humanidade da UNESCO, o filme de Tréfaut surge no momento certo para documentar a importância e a natureza de uma forma de cultura popular que se encontra ameaçada.

Sempre com a preocupação social que o caracteriza e aos seus filmes, o cuidado que Tréfaut tem em mostrar a realidade do Alentejo é aqui apoiada por algumas das modas (“cantigas” do Cante) mais recentes, com referência à crise económica, ao desemprego e à emigração. Algumas das entrevistas dão também acesso a um passado não muito distante de pobreza extrema e de uma vida do campo muito dura, o que permite contrariar a tendência romântica com que se costuma apresentar estes temas, recusando-se a cair na armadilha de fetichizar a vida rural como algo mais natural e saudável. Aliás, o momento em que um grande hipermercado cria um evento em que quase se faz isso mesmo, é contradito pela negligência e falta de preocupação para com o grupo de Cante que aí vai participar, esmagados pela mercantilização dos produtos à sua volta e da imbecilização mediática constante dos anúncios e destes programas comerciais.

Alentejo, Alentejo é um filme que não pretende ser académico ou exaustivo, conseguindo ser um registo documental bastante cinematográfico, com imagens muito interessantes. Que bom ter Tréfaut de novo no documentário!

O Melhor: O Cante; a fotografia de algumas cenas.
O Pior: Faltam-lhe alguns elementos históricos.


João Miranda

Notícias