Domingo, 19 Maio

La Abuela: Paco Plaza e o “fantasma da velhice”

"La Abuela" estreia a 25 de março na Amazon

La Abuela”, o mais recente filme de terror do espanhol Paco Plaza, o responsável por títulos como “[Rec]” e “Verónica”, está aí para nos atormentar com o “fantasma da velhice”. 

No filme seguimos Susana [Almudena Amor, atriz revelação de “O Bom Patrão”], uma modelo com a carreira em ascensão que é forçada a retornar a Madrid para cuidar da sua avó (Vera Valdez, icónica). É na casa da anciã que a jovem se vê confrontada com eventos bizarros que nos fazem regressar ao passado da idosa.

Um filme de terror da velha guarda que esteve em competição no último Festival de San Sebastián e que brevemente vai chegar à Amazon. Foi lá que nos sentamos à mesa com Paco Plaza e falámos do seu novo projeto, que ainda assim chegará às salas de cinemas de alguns países.

Como nasceu este “La Abuela”?

Este filme nasceu da minha inquietude em falar sobre o envelhecer e como a nossa sociedade afasta o seu olhar dos mais velhos. Temos medo da velhice e lutamos contra ela. Vivemos numa sociedade de Peter Pan’s, que esconde as rugas e tenta perpetuar uma ideia de juventude e beleza que veneramos. Queria falar no envelhecer como se fosse um demónio. Inicialmente o filme era sobre uma mulher possuída por um demónio e esse demónio é o envelhecer. 

E como trabalhou essa velhice, como a estudou e abordou?

Creio que neste filme há uma mescla com o meu filme anterior, “Quien a hierro mata”, onde passámos muito tempo em hospitais geriátricos com idosos. A sociedade compartimentaliza em certos espaços as pessoas que sentem não serem mais úteis. O contacto com esta gente sensibilizou-me muito e perceber a injustiça tremenda de como afastamos pessoas com um enorme caudal de conhecimento, valorizando a juventude. Creio que dessa amargura nasceu o filme.

O filme foi afetado pela Covid-19. Em que medida isso mudou o filme?

Mudou muito, pois não podíamos olhar para os anciãos da mesma maneira depois da Covid-19. Um lar de idosos hoje em dia não é o que era há três anos. Temos tantas imagens de dor, tanta gente próxima que passou por um evento traumático. A fragilidade entretanto exposta dos mais velhos mudou o filme.

E como foi a colaboração com o Carlos Vermut (Rapariga Mágica), que escreveu o guião? Como se deu a junção de duas sensibilidades tão diferentes neste filme?

Eu e o Carlos somos amigos muito próximos. Almoçamos todas as semanas e vamos as festivais ver filmes de terror. Por isso, foi muito natural a nossa colaboração. Estamos sempre a falar de filmes de terror e como estava bloqueado no processo de escrita, pois sentia que não estava a conseguir pegar nesta história pelo melhor ângulo. Estávamos a almoçar num restaurante japonês, ele disse-me que estava livre de trabalho durante uns meses e que podia escrever o primeiro esboço do guião. Eu aceitei imediatamente. O seu trabalho foi tremendo, especialmente em retirar tudo o que não era necessário para contar a história. Queríamos ter apenas duas mulheres num espaço limitado e num curto espaço de tempo. Desejávamos com estes poucos elementos criar uma história minimalista de horror. Ter alguém tão talentoso comigo na escrita foi uma prenda. 

Vera Valdez e Almudena Amor em “La Abuela

Disse que queria só uma locação, neste caso a habitação, mas como trabalhou para encher esse espaço e manter-se longe dos clichês? Como lida com essas marcas do horror, como o relógio antigo, a música, etc, de forma a não atafulhar o espaço e perder o minimalismo que falou?

Por um lado queria manter-me numa esfera muito realista, na casa de uma mulher classe alta de Madrid. Mas essa casa tinha de contar a sua história através do mobiliário e decoração. Um espaço cheio de antiguidades, coisas que colecionou durante a vida. Queria que essa habitação fosse uma extensão dela. Sim, é verdade, já vimos muitas casas com portas a ranger e outros elementos de horror. É difícil escapar aos clichés, por isso há que abraçá-los. Se existe uma porta ao fundo, queres que ela se abre, senão ficas decepcionado.

O filme lembra algum horror do cinema italiano dos anos 70. Foi uma decisão consciente? Quais foram as suas inspirações para o filme?

Não creio ter influências específicas para este filme. Talvez apenas “A Semente do Mal”, no aspecto de ter uma personagem principal que é totalmente ignorante ao que passa à sua volta. Ela é como uma mosca numa teia de aranha. Quanto a esse cinema italiano, não queria prestar homenagem a um filme em particular, mas confesso que amo o cinema do Mario Bava, Dario Argento, Lucio Fulci e Sergio Martino. Para mim, estes cineastas estão no mesmo patamar de Martin Scorsese ou Akira Kurosawa. São mestres do cinema como arte. Como realizador, acaba por ser impossível escapar dos filmes que amamos. A cultura que digerimos faz parte do que somos, do nosso DNA. E quando filmas é impossível escapar a ti mesmo.

A atriz que escolheu para o papel da avó, ela foi modelo no passado, certo?

Sim, é brasileira,. Tem 85 anos e era uma das favoritas da Casa Chanel nos anos 60. Vivia em Paris e era uma top model. Também foi amiga do Godard. Quando a Nouvelle Vague surgiu, ela fez parte desse “gangue” na noite de Paris. É uma verdadeira rockstar. Vi um vídeo de uma companhia de dança no Brasil e fiquei fascinado com ela, verdadeiramente hipnotizado. Escolhemo-la e decidimos que não precisávamos que falasse, até porque ela não fala realmente espanhol. A sua presença era suficiente.

Ela tem uma animalidade e mitologia que parece não ser humana. Como o Iggy Pop. Quando olhamos para os seus olhos, vemos a criança, a adolescente, a adulta e também a idosa. Ela tem todas essas mulheres dentro de si. Para mim isso era perfeito e estava inserido na ideia de camadas que tinha na cabeça, é como uma matrioska. Quando falei com ela pela primeira vez, estava na selva, no meio da Amazónia, a filmar (risos). Ela estava louca para vir até Espanha e ainda no outro dia disse-me que vai pedir a nacionalidade portuguesa, pois o seu avô era português. Quer começar uma carreira na Europa… aos 85 anos… (risos)

E no caso da Almudena, que aqui em San Sebastián está também com “O Bom Patrão“, como foi essa escolha?

Foi um casting. Encontramo-la num casting pois reunia o que pretendíamos para a personagem: alguém atriz com físico de modelo. Ela tinha uma maneira de olhar, uma inteligência e sensibilidade fascinantes. E sim, está no “O Bom Patrão“, mas fomos nós que a descobrimos (risos).

Almudena Amor e Paco Plaza

O “Verónica” foi um enorme sucesso, principalmente no streaming, e este seu “La Abuela” tem o selo da Amazon. Quando filma já o faz a pensar no streaming ou ainda pensa nas salas de cinema?

Neste caso pensei nas salas até porque vai ser lançado nelas. Mas hoje em dia é impossível fazer algo sem pensar no mercado de streaming. Vejo imensos filmes de todo o mundo, em casa, através da Netflix, HBO e Amazon. Creio que apesar de serem duas experiências de ver os filmes muito diferentes, vão acabar por coexistir. Creio que não devemos ser muito nostálgicos em relação a isso, pois este é o mundo que vivemos, quer queiramos, quer não.

Felizmente o “La Abuela” vai ser exibido nas salas em Espanha, França e México. Depois, e como o “Verónica”, milhares e milhares de pessoas de outros países poderão vê-lo facilmente na Amazon. Há que dizer que, antes destas plataformas, os meus filmes não eram vistos, por exemplo, na Índia ou Indonésia. Agora até recebo mensagens de pessoas do Sri Lanka que viram o meu filme. Acho fascinante e tal só foi possível por causa dessas plataformas. 

E qual a importância de ver o seu filme de terror num festival como o de San Sebástian? É que aparenta haver uma mudança de paradigma em relação aos filmes de genéro. Por exemplo, vimos o “Titane” conquistar Cannes. Como vê essa mudança de atitude dos grandes festivais para estes filmes?

É a minha primeira vez aqui (risos). Não podia estar mais agradecido ao Festival de San Sebastián. Foi uma surpresa e é uma honra estar aqui. Não é o meu terreno habitual. Estou mais habituado a frequentar festivais de cinema de terror. O mundo mudou, para melhor neste caso. As pessoas estão mais abertas a ver propostas diferentes.

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