Sexta-feira, 10 Maio

Semih Kaplanoglu: “Talvez tenhamos mais fé no capitalismo que nos deuses”

Estreado no Festival de Cannes, “A Promessa de Hasan” chega aos cinemas a 16 junho

Se houve filme dissonante no Festival de Antália, especialmente dentro da imprensa turca, que o crucificou, ele foi “Commitment Hasan” (A Promessa de Hasan), o segundo filme de uma trilogia que Semih Kaplanoglu iniciou em 2019.

No projeto, o realizador premiado com o Urso de Ouro com “Mel” (2012) leva-nos até ao noroeste da Turquia, uma área principalmente conhecida pela agricultura, para contar a história de um homem que no seu dia a dia tem de lidar com questões laborais e dilemas morais que põem a sua consciência a fervilhar. Em tempos de difícil subsistência, este agricultor nem sempre age de forma correta, aproveitando-se mesmo da desgraça alheia para prosperar. Mas a sua consciência começa a sinalizar a sua conduta quando  juntamente com a mulher ele é selecionado para visitar Meca numa jornada religiosa. É aqui que o filme levanta a dura questão: é possível – para sobreviver e prosperar – manter um caminho espiritual puro e honesto? “Essa é uma questão complexa, mas não posso conceber a ideia de que uma pessoa não possa ser correcta e bem sucedida na sua vida laboral e ao mesmo tempo mantenha a sua rota espiritual. Hoje, talvez tenhamos mais fé no capitalismo que nos deuses“,  explicou-nos Kaplanoglu numa entrevista na Antália.  “O meu problema com o capitalismo é explorado nos meus filmes. A religião foi reduzida a rituais, a problemas de consciência. A responsabilidade já não é questionada. A religião não consegue salvar os seres humanos. Estes têm primeiro de se conhecer a si mesmos,  de questionar-se a si e não às religiões (…) Este é um filme com algumas camadas que se intersectam a determinado momento. Todas estas coisas, a vida, a política, a religião e a cultura cruzam-se e no mundo de hoje e acredito que a responsabilidade dos trabalhadores rurais perante isso é ainda maior”.

Uma trilogia sobre o “compromisso

Semih Kaplanoglu

Em 2019, Semih Kaplanoglu lançou “Commitment Asli”, filme no qual estamos em Istambul e seguimos uma mãe e o seu bebé. Quando a criança faz 4 meses, a mulher tem de voltar ao trabalho, procurando assim uma ama para cuidar dela. “A parte do compromisso é essa ligação entre a mãe e o bebé.”,  explica Kaplanoglu, acrescentando o que lhe atrai nesse tema: “estou interessado na natureza dos seres humanos e na sua relação com a natureza. Creio que a razão de todas as injustiças no mundo está ligada ao facto das coisas não estarem no seu lugar, como se fosse uma vingança da natureza. Perdemos esta ligação com a natureza e todas as outras criaturas. Perdemos esta ligação com o nosso mundo interior. Depois de todas estas ligações estarem quebradas, tudo o resto desmorona. Procuro falar disto em todos os meus filmes. Questiono sempre quem somos, como humanos. De onde viemos e para onde vamos (….) outro dos meus interesses  é a perceção do tempo. Em todos os meus filmes questiono isso. Como seres humanos estamos conscientes da nossa mortalidade e isso poderia ajudar-nos a compreender a vida de uma forma melhor, mas esta sociedade de consumo, de tecnologias de comunicação e digitalização está  a distrair-nos desse questionamento. (…) A resposta é questionar-se a si mesmo e aos eventos, acidentes. É necessário lançar estas questões. Olhar para os sinais que te forçam a fazer outras questões. Será que o nosso personagem está a dar atenção a estes sinais? Aos sonhos, ao vento? Quero questionar isso tudo, mas principalmente a consciência de cada um.

Commitment Hasan

Segundo o realizador turco, que nesta fita até coloca o protagonista ser atacado por maçãs do seu pomar e a ver os seus animais de estimação a morrerem, esta  é uma vingança da natureza por quebrarmos um pacto: “A comida começa a ficar contaminada com pesticidas, as pessoas adoecem, temos  cheias. De certa forma a natureza paga-nos de volta o que fazemos.” 

O Futuro

O terceiro filme da trilogia em torno do “compromisso” já está em desenvolvimento, ainda na fase de construção do guião: “É a história de um realizador que está a tentar adaptar um romance que se passa na década de 1930. A questão agora é o “compromisso” com esta novela e as suas personagens. A história do livro desenrola-se nas vésperas da 2ª Guerra Mundial e as pessoas estão muito ansiosas. Uma nova ordem mundial foi estabelecida. Este será o terceiro filme e certamente percebem porque escolhi este momento do mundo atual para falar deste tema.” 

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