Segunda-feira, 20 Maio

«American Hustle» (Golpada Americana) por Hugo Gomes

Uma coisa é certa: David O’Russell é um exímio diretor de atores e American Hustle é a confirmação de tal estatuto. A começar por um Christian Bale camaleónico que tal como sucedera recentemente a Matthew McConaughey em Dallas Buyers Club, abdica do seu corpo e visual a favor do manifesto. Porém, não foi apenas mais uma transformação “à la Bale“, mas sim uma completa criação da personagem. Para além disso, ninguém pode negar que o ator é realmente a força emocional deste American Hustle. De seguida surge-nos um paranóico Bradley Cooper e uma estrondosa Amy Adams, naquele que é de momento o papel da sua vida, e um Robert DeNiro em versão reduzida mas que vem a confirmar que é sob a “alçada” de David O’Russell que vislumbra os seus tempos outrora gloriosos.

Em suma, eis uma equipa de serviço excepcional que funciona como um “must“, uma estrutura sólida para este arquétipo de filme de golpe, sendo apenas Jennifer Lawrence o elo mais fraco do bando. A atriz que tem vindo a ascender a todo o vapor na industria cinematográfica puxa pelo “overacting” para interpretar um papel de louca, sem com isso convencer os demais que realmente é. Lawrence tem os seu problemas em conseguir afastar a sua imagem de vedeta ou heroína teenager e abraçar a pura alienação. Aliás, colocando agora uma certa calúnia, a nomeação de Jennifer Lawrence aos Óscares ou é uma esforçada tentativa de criar a próxima diva de Hollywood ou limitar os votantes da academia na hora de eleger e avaliar interpretações. Contudo, e ressalve-se, a sua aura como estrela de cinema é indiscutivelmente válida.

Agora, e voltando ao principio, sabendo que American Hustle é no geral um show de interpretações louváveis, o que resta do filme? Nesta sua nova obra, o anterior realizador do simpático Silver Linings Playbook, remete-nos na trilha do vigarista Irving Rosenfeld (Christian Bale), desde as suas trapaças até à imperativa colaboração com a FBI para desmontar uma extensa e oculta rede de corrupção. Tudo isto resulta num filme que tenta contrair um tom ligeiro e brejeiro em memória de um estilo já incutido pelo autor em Três Reis, por exemplo, mas que soa verdadeiramente falso quando este tenta descaradamente disfarçar o seu pretensiosismo. É que com tanta nomeação e aclamação, David O’Russell tornou-se num sonhador no mundo dos grandes, arquitetando entretenimentos suaves e, admito, astutos em quase citações shakespearianas.

A verdade é que American Hustle pode ter a sua graça, o seu brilho, mas tende a ter momentos de jubilo puro e sinceros que são constantemente asfixiados por uma ambição de artista digna do “bigger than life“, ou quem sabe, a mimetizar Martin Scorsese. Assim, o novo trabalho de David O’Russell é no geral um impaciente e impulsivo filme exclusivo para a época dos prémios, um embelezamento dos diferentes toques do neo-classicismo norte-americano, suplicados sem amabilidades e sabedoria filmica. Sem possuir força interna para aguentar-se, este é um daqueles casos em que os atores fazem a diferença e são eles que não deixam o barco afundar.

O melhor – O elenco
O pior – as pretensões de um “convincente” David O’Russell prejudicam um entretenimento livre e astuto. A sobrevalorização do desempenho pouco convincente de Jennifer Lawrence.


Hugo Gomes 

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