Segunda-feira, 20 Maio

«Sangue Azul» por Fernando Vasquez

O ano ainda mal começou e já parece que será memorável para o cinema brasileiro. Entre as varias seleções de renome até ao momento, a mais sonora foi inquestionavelmente Sangue Azul, de Lírio Ferreira, o grande vencedor da ultima edição do festival do Rio de Janeiro, de onde saiu com o premio de melhor filme e melhor realizador.

O filme de abertura da famosa secção Panorama é um retrato intimista da chegada de um circo invulgar à ilha de Fernando Noronha, no Atlântico sul. Entre a comitiva chega Zolah (Daniel de Oliveira), um homem bala irresistível a virtualmente todas as mulheres da ilha onde nasceu e de onde foi levado, ainda enquanto muito jovem, por Kaleb (Paulo César Pereiro), líder da troupe, a pedido de sua mãe. A inicio o regresso é emotivo, com mãe e filho a reconciliarem-se após anos de separação. No entanto, a presença do carismático artista rapidamente começa a abalar algumas das frágeis relações dos habitantes da ilha, em particular a de Raquel (Caroline Abras), sua irmã adotiva, e o seu melhor amigo de infância, Cangulo (Romulo Braga). Os alicerces da ilha, ja de si envolta de uma mistica natural, são postos à prova por um enredo que flutua perigosamente em direção ao abismo.

Reminiscente de filmes de culto como Vertigem Azul, de Luc Besson, ou Lúcia e o sexo, de Julio Medem, carregado de erotismo e sexo explicito, talvez o aspeto mais cativante de Sangue Azul é a visão sonhadora do mundo do circo que nos oferece. Mesmo aqueles mais reticentes a cederam à magia do maior espetáculo do mundo terão dificuldades em não reconhecer que Lirio Ferreira foi capaz de criar um universo deslumbrante e sedutor, com várias performances individuais capazes de seduzir os mais céticos.

Acima de tudo, o sucesso deve-se a algumas personagens fascinantes e extremamente bem trabalhadas. De todas sobressaem-se em particular Inox (Milhem Cortaz), também conhecido como o homem mais forte do mundo, e da bailarina Cubana (Laura Ramos). Apesar de serem papéis secundários deixam para trás uma sede enorme por mais, capazes de encher a tela por si sós.

Mais interessante ainda é o facto de que o mais recente trabalho de Lírio Ferreira não se reduz à temática do circo, capaz de se concentrar em grande parte num triangulo amoroso proibido e deveras convincente.

Num filme recheado de prestações de luxo, só mesmo Daniel de Oliveira, no papel de protagonista, deixa a desejar, com momentos a roçar no ridículo. No entanto, mesmo apesar dos vários lapsos, Oliveira acaba por sair ileso pela simples postura da personagem, naturalmente cativante e enigmática.

Existe, por ultimo, uma outra “personagem”, por sinal a mais importante, que faz de Sangue Azul uma experiência obrigatória, a própria ilha de Fernando Noronha, brilhantemente captada pelo diretor de fotografia, Mauro Pinheiro Junior, que em momento algum subestima a beleza natural e apelativa de uma terra perdida entre o inóspito e o idílico.

Lírio Ferreira, após longa ausência, revela-se capaz de se manter focado no essencial, mesmo com um argumento deveras rico e no qual seria fácil perder o controlo. Pelo contrario, Ferreira nunca perde o seu norte, produzindo um trabalho maduro, memorável e que promete e merecia chegar muito longe.


Fernando Vasquez

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