Sexta-feira, 17 Maio

«Le Passé» (O Passado) por André Gonçalves

 

Com Uma Separação, o realizador iraniano Asghar Farhadi tinha elevado a fasquia no que se tratava de mostrar uma disfuncionalidade familiar fruto de um mal-entendido, num cenário onde nos chegam sempre ao ecrã outro tipo de guerras… (Irão). Seria de facto fácil interpretar superficialmente O Passado, com a ação a decorrer em Paris e quase todo ele falado em francês, como um filme mais vendido, e muitos o farão certamente.

No entanto, entrando no filme, percebemos que estamos perante uma continuação natural do modelo visto no seu filme anterior – temos, enfim, outra história de disfuncionalidades fruto de um potencial erro de julgamento, este realizado “fora do ecrã” e desta vez num plano temporal prévio ao decorrer da ação, que por sua vez gera uma catadupa de mal-entendidos. Nas mãos de um realizador mais latino, talvez o drama descambasse e todo o dominó narrativo ruísse também em cascata. Farhadi, muitas vezes via uma extraordinária Bérénice Bejo (aqui a mostrar que é tão boa atriz a falar como em “modo cinema mudo”), ameaça quebrar pratos várias vezes, mas quando as coisas se tornam feias, sentimos genuinamente que tinham que ficar.

As metáforas são tantas e todas tão bem metidas que podem escapar a um primeiro visionamento – a casa em obras como reflexo de toda uma relação; aquele diálogo inicial inaudível no aeroporto, etc. – e mais uma vez, Farhadi gere todos os conflitos e as expetativas do próprio espectador de forma tão exímia, que não nos importaremos se o realizador continuar neste registo “ad eternum“, se isso implicar termos produtos tão impactantes como Uma Separação e agora O Passado.


André Gonçalves

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